segunda-feira, outubro 24, 2005

Catecumenato

Correspondentemente a não ter ainda efectuado o rito do baptismo, o que eu acho é que, no fundo, não passei ainda do grito de apelo, e o eco do anseio é longínquo e fugidio, ou eu é que sou fugidio a ele, e por isso tanta bazófia, tanta discursividade, é uma forma de falar com o quase silêncio, ou dele falar, do todo murmúrio.
E talvez por não ter ainda efectuado o rito do baptismo, penssinto que é semelhante para todos nós, cristãos, quero dizer, somos catecúmenos até à morte e ao purgatório, mas sei lá eu o que se passa com o murmúrio dos outros.
Enfim, não tendo ainda efectuado o rito do baptismo, tudo isto é dito num tom ligeiro – mas quem é que apreende real ou totalmente a revelação? É como uma música, de algum modo sempre igual mas tocando-nos de modos diversos sempre que a ouvimos, mostrando-nos dia após dia, aspectos de nós próprios que desconhecíamos.
Ou então não trata de Deus, não é a verdade que revela.

Quem tem fé? – é a pergunta evangélica mais terrível.
E que fé é requerida, que anseio suficiente – para dizeres sim, agora com mais força.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Ponto 2

Há Deus.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Recordação

A primeira vez que rezei, tinha cerca de nove ou dez anos. Foi evidentemente bastante estapafúrdio, de algum modo vergonhoso segundo a etiqueta comportamental do mundo e da razão, pelo menos relativamente ao parco conhecimento que tenho dos seus modos de acontecerem e “funcionarem”. A mim, Ele não precisou de dizer para fechar a porta.

Aconteceu que um colega de escola, que tinha sempre notas acima de 14 me disse quando o inquiri acerca do seu “método”: Na véspera dos testes, rezo e peço a Deus que me dê sempre boa nota.
Não me falou de estudar, ou reflectir, ou assim me lembro eu: pois então rezo, peço ao Senhor do universo, é evidente, para quê perder tempo com circumnavegações, vou a corta-mato, directo ao assunto, então pois… rezo. E foi o que, sem fazer a mínima mas com a audácia e disponibilidade da infância, me dispus a fazer pela minha parte, e pelo mesmo assunto, não fosse alguma improvisação afectar a “verificação” da Sua existência - digo eu agora, algo indiciado pelo toque absurdo de, gostando eu na época de estudar, conversar e reflectir, obter “naturalmente” as notas a pedir ao Improvável e Totalmente Desconhecido. Nem sequer usei o mediador Jesus, penso eu, não tivera catequese “oficial”, e além disso não se tratava de ir a corta-mato directo ao assunto?... Lembro-me de pôr-me de joelhos junto à cama, fechar os olhos e “concentrar-me”, falando e escutando no profundo silêncio da Sua ausência.

“Imaginemos” agora, visto que se ressente o passado na configuração do presente, que “funcionava” – enquanto pedido, obtenção, requisição. Pois nada disso ressinto eu agora como fulcral na recordação – a não ser como instigação à suspeita da Sua improvável mas interpelante existência. Até porque acabamos por perceber que o que se obtém e não obtém por aqui tem o valor da efemeridade, varrido e disperso como quase nada pelo nosso amigo tempo. E recordo-me como confusamente desejando não essencialmente os pedidos específicos, mas a esperança e anseio indefinido de algo que “vencesse” a efemeridade, a existência à mercê dos dias cegos. Qualquer coisa que não tem nome por aqui.

Rezar serenava a violência melancólica da minha infância, depondo-me noutra violência em que a melancolia se transmuda em busca e apelo.

Não se trata aqui de relevar o que de supersticioso e egótico e ilusório e preguiçoso e cobarde e etc e etc pode haver nas orações como em todas as nossas atitudes e actividades, mas sim de entrever o Algo que pode surgir nessa actividade da oração, na atitude religiosa, e que vem pôr em interrogação essa actividade e essa atitude assim como todas as outras. É nos nossos gaguejos humanos demasiado humanos que acabamos por tropeçar para “fora” de nós, onde uma mão nos agarra ou o nada nos dissolve. A que corresponde a actividade da oração e a atitude religiosa – as respostas são tantas quanto as concepções de realidade.

Lembro-me que acabei por deixar de rezar, aquilo assustou-me, era por assim dizer demais para mim – acabei por deixar de rezar, durante cinco ou seis anos.

Isto tem sido uma difícil catequese.

Até porque com Ele nada funciona sempre da “mesma” maneira, não estamos de todo no reino da necessidade e do automatismo.

E o barco prossegue, puxado pela graça e pela confusão.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Decisão

Gostaria que todas as minhas palavras fossem depósito de Deus. Mas não sou nenhum apóstolo. No fundo, mal sou um discipúlo sequer. Tão só um pobre catecúmeno, e talvez dos mais nhurros, dos menos certos e fieis. Falarei no entanto, esperançado que entre outras coisas é isso que Cristo me “pede”, e me possibilita.