segunda-feira, maio 26, 2008

Disrupção

O gesto insere-se num movimento amplo e indefinido cuja direcção é solicitada pelas aberturas que vão aparecendo. São fixáveis fases desse movimento ao longo da sua acção, e cada passo dado não inclui o seguinte, apenas abre caminho e possibilidade. O local de chegada pode ser entrevisto, pressentido, imaginado, mas nunca definido, projectado ou pré-determinado. O tempo está do lado dos cegos e as pistas nunca definem o caminho.

A depuração dos ecos da acção está-nos mais próxima e atingível nos factos e factores em que nós-próprios nos inserimos e implicamos – a existência individual, o presente vivido. Por vezes, um gesto é silogístico, síntese dos gestos anteriores. É tempo de mudar de posição.

segunda-feira, maio 19, 2008

Na pétala depõe 3

Pega na tua interrogação e faz dela matéria de escuta, e nada mais.

segunda-feira, maio 12, 2008

Palavra nossa que estejas

Ó inefável deflagrar de toda a palavra, incandescência de todo o dizer, faz teu nome de tudo o que somos, sentimos, dizemos, pensamos, fazemos, padecemos.

Revivifica a nossa carne, os nervos, os ossos e o volátil sopro que nos estremece. Que em todos os nossos mundos se abata o dilúvio do teu incêndio.

Une os horizontes aos cais de partida e chegada, as fugazes constelações às voláteis viagens. Que o que seja, do mais ínfimo ao infinito, nos seja significante e revelador.

Funde-te em nós dentro, mais dentro que nós próprios, com toda a tua violência e suavidade. Cobre as nossas resistências, as nossas fugas, os nossos repentes e constâncias de orgulho, de fechamento, de impotência cega e activa, de todo o nosso mal livra-nos, ó palavra do todo e de tudo e do inacessível vazio em que tudo se escoa.

Tenta-nos luz que não somos nem temos, tal como nós tentamos a nossa pequena escuridão com o próprio fracasso de tudo em nós.

De sabermos quem tu és e como te dizes, de tal ilusão protege-nos, para que te digamos e façamos a partir do que não és, a partir de tudo isto que somos e fazemos sejamos invasão do teu silêncio maior, no abismo do teu amor, nas cicatrizes em que nos visitas sangra-nos e ressuscita-nos, ó deus trino e incompreensível na tua incarnação, protege-nos e guarda-nos agora e para sempre, ámen.

segunda-feira, maio 05, 2008

Hedwig' s tune

Relativamente à esponsalidade entre um homem e outro, entre uma mulher e outra, e evidente e precisamente, entre uma mulher e um homem – não há que tergiversar, e a sua presença sagrada pode ser enunciada à papo seco: os seus frutos são a bondade e a beleza. Misturados, digamos assim e naturalmente, com perturbações negativas e conflituais, como tudo na temporalidade desajustada da vida aos trambolhões em que nos debatemos e abraçamos.

Quanto aos juízos de fora, e seus ressentidos, desviados e compulsivos argumentos – apenas um teremos, nós, os da tristeza deste mundo, os da alegria do coração, os que na rosa finalmente compreenderam que a dilaceração é a liberdade desconhecida e eternamente reencontrada. E este único argumento, a saber: a verdade mostra-se a si mesma.

Isto é, o mal não pode ter como frutos a bondade e a beleza. E juízo que nisto não esteja assente, não tem, perante o amor, nenhuma legitimidade.

E é tudo, sem mais papo nem mel. Agora, pegue-se lá na metafísica do feminino e masculino – e configurem-se as decorrências necessárias, visto que a polissexualidade é, ontologica e entitativamente falando, uma dinâmica transversal e universal.

Nota de rodapão: A polémica da polissexualidade divina, e suas decorrências teológicas, antropológicas, eclesiais e pastorais, foi debatida no primeiro Concílio de Berlim, em 1973, no qual também se matizou a compreensão dos Concílios Vaticano I e II, visto estes não terem tratado e perspectivado as questões a partir do aprofundamento das dimensões místicas e mistéricas da criação, da incarnação e da santíssima trindade, e até se terem indirectamente afastados de tal. Não cabe aqui entrar nos pormenores da trissexualidade, da transexualidade e outros detalhes teológicos e antropológicos, mas cabe lembrar o dístico do concílio, que expressa a sua orientação geral: Com a senhora do dia, e os homens de boa fortuna e pobres inícios, a chama da vela do pequeno café, transformará os muros em pontes. Dadas as perturbações e divisões que se sucederam, equivocadas e contrárias ao espírito do concílio, em 2001 deu-se o segundo Concílio de Berlim, no qual se dirimiram as arestas relativas a estes assuntos. Um dos documentos deste concílio que mais eco teve, foi o “Da comunhão como sacramento de escuta”, em que se declarava a inequívoca comunhão com aqueles que “não aceitando Cristo como seu salvador pessoal, amam a Sua obra”, terminando com uma ampla análise comparativa de Is. 42, 1-4, Mat. 16, 13-23 e Marcos 9, 38-40. O papa David II, de santa e saudosa memória, presidiu a ambos, tendo aberto o primeiro com a declaração “Da esperança como dúvida de si e circunferência de amor”, em que citava evidentemente e com certa abundância, Paul Valéry e Simone Weil, e fechado o segundo com a “Saudação à estranheza do reconhecimento de si em Cristo”, dez dias antes da sua glória celeste. Pela primeira vez na história da Igreja, e por sua expressa vontade, um papa foi cremado, e suas cinzas espalhadas aos ventos a partir do local onde outrora se erguera o muro de Berlim. As peregrinações ao local foram religiosamente invalidadas, embora acorram ao local muitos cristãos e outros, para deparar com a última e lacónica sentença de David II, gravada no solo: Ide com as cinzas.