segunda-feira, janeiro 26, 2009

Nota socrática

O diálogo é a base da consciência, e inversamente.

Sem a sua dinâmica mútua, não passamos de bestas cegas, mesmo ou sobretudo se falarmos, pensarmos, decidirmos.

O resultado está, aliás, historicamente à vista de todos, para sua apreciação e sofrimento.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Anjo de guarda

Que aquele que não tenha uma paixão desmedida, que tudo implique, interpele e desoriente – se afaste.

O reino não é divisível nem regionalizável.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

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a te nunquam separari permittas

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Etimologias 4

Não há outra palavra como «deus», outra palavra que contenha elemento tão absoluta e radicalmente exclusivo; e de certo modo nenhuma outra tão ilimitadamente inclusiva; não há palavra tão excessivamente singular e única, palavra que indicia um anterior a seja o que fôr de pensável ou concreto, palavra da omnipresença; como será que a inventámos, como será que a dizemos; eis uma palavra que devemos escutar se lhe desejamos um sentido, um nosso sentido; escutar como ela se faz em nós, como ela surge tão única e obscura, presença ausente em tudo o que houver e nós; devemos escutar em intenso silêncio e comunhão, pois palavra mais funda e volátil não há, palavra que se reconhece e desconhece veloz e surda, substantiva da sua própria adjectivação, omnipresente a si como a todo o resto e a nós (não o devemos esquecer, isso, que ao dizer esquecemos); eis uma palavra que de certo modo exclui todas as outras, produzindo-as; ou de outro e mesmo modo, em todas se pressupõe; eis uma palavra suave como o apenas-ser de todas as coisas e vida, mais suave ainda, tão mais silenciosa; o próprio nada produz, e nele se pressupõe; palavra ínfima ancrada no esquecimento, escutêmo-la, na perturbação da linguagem escutêmo-la, nas profecias cegas e no terror do dizer, do dizer seja o que fôr; porque e como dizemos nós seja o que fôr, é isso que nos assusta, de fio a pavio, nós, os heróis do medo e do assombro, os frágeis corações; e o que desejamos nessa palavra, o que inteiramente desejamos nessa inteira palavra, ao dizermos «deus» o que anseamos que seja; o que é isso que na palavra «deus» apesar de tudo (isto é, apesar da própria palavra «deus») sabemos e buscamos; o que tentamos e queremos afinal dizer e fazer com «deus»; um deus do fogo, um deus das areias; um deus lisérgico, um deus lapidar; um deus das águas e dos ventos, um deus vivo e pensante; um deus de tudo, uma única presença e palavra; um deus sonhado dentro do real, um deus real dentro do sonho; um deus de pacotilha, de inanulável pacotilha; um deus que dá sentido a toda a inteligibilidade; eis um deus que se mantém presente em todos os nossos anseios e feridas, sofrendo-os connosco na nossa irredutível pequenez e morte; eis um deus que não foge para si próprio e se mantém connosco mais dentro do que a nossa própria veia jugular (C 50, 16); «deus» é uma palavra de transeuntes, de afinal transeuntes; não sabemos muito bem de que falamos quando dizemos seja o que fôr, mas em cada palavra dita, tentamos escutar o eco da morte, no próprio silêncio da palavra dita tentamos escutar a nossa própria morte afinal; está vivo aquele que diz, é certo; mas até onde pode ir o silêncio, poderá ir até ao fim, até ao nada de nada; palavra da noite sem noite, sem nada poderá; «deus» é a palavra que se pretende dita e viva quando nada haja nem dizer nenhum; palavra que se diz a si própria; palavra em que se dizem todas as outras e o silêncio; palavra de vida e morte, palavra impossível; de certo modo é uma palavra que nunca ninguém disse, uma palavra muito desconhecida e densa; uma palavra que se apresenta como não-nossa nem do mundo, e em nós mais dentro do que nós, em nós mais sendo; essa anterioridade obscura de tudo, essa respiração da vida; isso de que falam todos os anciãos e crianças do mundo, de todas as histórias esse princípio dos tempos, era uma vez qualquer coisa e isto tudo, era uma vez; o que fôr, era uma vez; aqui, é a voz do eterno que gritamos ouvir; o antes de qualquer vez, isso mesmo; afinal, palavra tão forte e tão frágil não há, pois seja o que fôr e mesmo o grito do eterno, ainda não é «deus», ainda não é nada; de certo modo, ainda não começámos sequer, no que na palavra «deus» se inicia; no que dita a palavra dita.