segunda-feira, junho 26, 2006

Sacrum facere

A humildade da incarnação, que se mostra de imediato no nascimento no estábulo – é pura verdade vital. Não se trata de nascer no desfalecimento da vida. Esta pequenez, é a força real da vida.

É por essência, e não por condicionamento e frustração, que Deus é humilde. Trata-se duma das dinâmicas do amor divino: dar-se até ao fim. Assim é a relação interna da trindade divina, e daí o transbordo para a criação. Deus não se retém: é doação pura, até ao aniquilamento. E esse aniquilamento é vida em abundância, é fundamento e fonte, é o minúsculo indício que em tudo o que há o faz precisamente – haver.

A verdade da existência mostra-se no despojamento e nudez, e não nos aparatos de grandeza. É nesse sentido que o seu reino não é deste mundo, e como poderia sê-lo? As potências do mundo são separação, máscara e ilusão – quando tomadas como verdade fundamental. É no útero da vida e no leito da morte que se configura a existência.

A doação irrestrita não faz contas, e assim o amor cobre a multitude dos pecados, liberta de imediato qualquer um, seja qual for o tamanho da sua desorientação. Só conta até um – total e absolutamente um. Duma vez e de imediato. Sempre e em toda a parte.

A trindade divina não é Zeus irado na sua grandeza, à espera que as dores e as lágrimas lhe satisfaçam uma justiça quantitativa, distributiva. Faz suas as dores e lágrimas, e os risos e as esperanças, numa unidade que os extremos reúne. E nunca desespera, porque nada espera e tudo entrega.

Não se trata mesmo de pagar a conta na mercearia divina. Deus não é um cobrador de impostos, e a sua aliança não é um contrato de interesses próprios e fechados.

Um criador de talião, eis a inversão natural do amor sobrenatural, que sendo pura e absoluta dádiva, exige na sua comunhão – que sejamos também pura dádiva. Ou se preferirmos, a demonização contratualista e contabilística – é a resistência espontânea à inversão de valores que o cristianismo veio deflagrar.

Este é o sacrifício – de si próprio, em dádiva e doação. Só a pura dádiva faz sagrado. Porque só a pura dádiva tudo recebe – precisamente no mesmo movimento em que tudo dá.

Todo de mim a ti te entrego, e em ti te recebo. De outro modo, está-se na fantasmagoria, na fantasia de ti que se constitui na distância de mim. Ou doutro modo: na idolatria, na representação contemplada que não se vive e mata. A amada na torre, é a morte do amado, e o dragão - é o rosto dessa morte.

E todo o resto, por muito barulho e resplendor, por muito fulgor e adoração, por muita palavra e convicção, na verdade – não passa de medo e solidão.

segunda-feira, junho 19, 2006

Catolicidade

Quando se fala de cristianismo, está-se a falar de renovar qualquer laço que se tenha - de renovar tudo o que nos liga a seja o que for.

Isto é - está-se a falar de tudo.