segunda-feira, dezembro 19, 2005

Ressurreição, fé e verdade

Pois que eles andam para ali com o Cristo, dizem umas coisas, acontecem outras e eles agindo ainda outras mais, como todos nós com ou sem o Cristo. Granel existencial, confusões e tensões de vida sentimental, social, política, económica, cultural, natural, espiritual, religiosa, o amor, a concórdia e a violência e os horizontes desesperados e esperançosos, enfim, nada de inumano, digamos assim. E pondo agora de lado o conteúdo e espírito evangélicos, mesmo o discurso e acção jesuânicos e messiânicos ocorrem no dia a dia vivido de um ser humano que executa naturais e milagres, um ser humano que fala e medita e ora e age por todos os lados na sua vida, na sua vida que decorre como a de todos nós, dia a dia no desgaste, dia a dia até à morte. Mas nada que nunca se tivesse já visto ou ouvido narrar de viva ou morta voz, nada que nunca se tivesse já vivido ou sonhado. Nada de inumano. Uma historieta rapidamente contada que acaba com uma morte cretina e incompreensivelmente concluída: Ele ressuscitou. Está vivo, porque era a própria vida vivendo-se, diz-nos o evangelista em posterior teologia, tonta de mistério. Não está vivo como a Fénix, ou Lázaro, está vivo permanente e absoluta e presentemente presente como sempre esteve na voz directa de Deus. Um lapso da eternidade.

Suponhamos que é algo impossível de ver ou narrar, viver ou sonhar. Tudo de inumano, podemos então dizer. Sem saber que sim ou que não, porque então seria evidentemente humano. Nesse sentido está consistentemente narrado. Não percebemos muito bem que raio de história é que estão para ali a contar, e isto porque os próprios narradores não sabem muito bem o que se passou e passa e que narram com a fé acesa, e no fundo nós quanto muito tal e qual os estóicos em Atenas: Está bem, está bem, volta amanhã e conta-nos isso outra vez...

Um ser humano que se consubstancia com Deus. Não fazemos a mínima a quê que corresponde tal forma de vida. E é isto, no limite, que o cristianismo exige, e pretende dar. Nenhum humano nunca nem jamais tocou ou tocará humanamente forma de vida tal, como é evidente. Não a conhecemos - por dentro, vivida. E por isso mesmo é internamente que a conversão cresce, como um cancro de medo e alegria. É por isso que o reino dos céus é uma semente de mostarda no coração, uma pequena poeira forte e amedrontada levada pela brisa.

Aqui, tudo de inumano no humano. Nem sequer sabemos a que correspondem certos elementos referenciais, conteúdos fundamentais escapam-se-nos completamente: a ressurreição, a incarnação, o amor divino, a criação, a vida assim ilimitada que tudo mas absolutamente tudo detém no pousio do seu ser eterno sempre sendo, sem tempo nem manto.

A disposição propícia aqui seja o esquecimento total, um breve vislumbre de tudo o que não se é e vive, excepto talvez uma coisa.
A fé não se pode dizer, e talvez nesse calar se diga.
Não é dizível directamente, tão só vivível pelo próprio, por cada um de nós, e de modo tão diferente para cada qual.
A fé é um apenas executável que não pode ser descrita.
Toda a palavra de fé é um incitamento à acção, não uma descrição dos conteúdos da fé, apenas apreensíveis na vivência directa, bruta e própria de cada um.
Vai e faz, é a voz da fé, vai e vive a vida, a vida sempre, a vida aqui e agora e sempre.

(Amen.)

Esta disposição propícia pode acontecer e irromper num desastre ou num sobressalto. No nascimento dum filho, ou na sua morte. Ou noutro momento qualquer, porventura até banal e inesperadamente. Ia quase a dizer... impiedosamente.

E então rezas, completamente esvaziado e esvaído, e nesse silêncio de ti e do mundo, ouves, Deus fala-te, o próprio Deus te fala. Não que te diga algo de exterior a ti, não, de maneira nenhuma. Deus é totalmente silencioso, absolutamente revelador. Fala-te, no sentido literal. Não te fala de algo mas diz e mostra aquilo que és. Revela-te. Pronuncia o teu nome, apenas o teu nome, revelando-te aquele que verdadeiramente és, e que conhecias desconhecendo.

Nesse momento como que te esqueceste de ti e de tudo o que pensas saber ou não saber, sentido ou não sentido, nessa ideia intensamente vaga de ti próprio e da vida, e em que nenhuma palavra se avizinha. E para além dos dias, aquilo em que te espelhas límpido e cristalino e transparente clama por ti, como tu mesmo dentro dos dias clamas de modo confuso e desesperado mesmo que não o saibas, agora ou ontem e amanhã. Tens a vida toda para clamar por ti opaca e ofuscadamente, um pedaço de sal marinho foi te dado no deserto, confirmando os oceanos em que navegam todos os desertos de coração e morte, confirmando sim que estás a caminho, que a viagem não se esgota em si. Persevera pois, na oração e na vigília, na acção e no pensamento. Enlouquece com Deus, e não com o mundo ou contigo - porque tudo é loucura, até a razão.

Se Deus nos mostra o que verdadeiramente somos, se Deus é nesse próprio e gradual mostrar, então a fé é a realização do que autenticamente somos, e que não pode evidentemente ser dito na sua realidade, mas apenas ser, ou tender ser. E, para além disso, quem raio sabe aquilo que autenticamente é? E no entanto - é-o, precisamente.

E assim é que precisamente também, este texto é por si vazio do que quer dizer, como todo o resto que não seja Deus ou em Deus.

7 Comments:

Blogger maria said...

Fico muito contente pelo teu fôlego, para um texto destes...

Sem a lembrança da Ressurreição, como fazer frente ao deserto?

Por Cristo, com Cristo e em Cristo, abraço-te com força

6:56 da tarde  
Blogger Em contra-corrente said...

Como disse o antigo presidente Américo Tomás (ou pelo menos lhe querem atribuir a autoria)também eu digo: só tenho um adjectivo para classificar o teu post: «gostei!»
Bom Natal, a caminho da ressurreição!

8:25 da tarde  
Blogger Davide Vidal said...

O nosso entendimento não chega para entender mas a fé que em nós há vê o invisivel: Amor, ressurreição, eternidade etc... e sem esta fé, este viver num Deus imcompreensivel tudo é vago e sem sentido (I Corintios 15:14) - E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé.

11:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Um Santo Natal.

3:49 da tarde  
Blogger José Avlis said...

Caro Vítor Mácula

Faço votos cordiais para que tenhas um Feliz e Santo Natal, extensivamente à tua família e amigos.

+ "Ó Adonai, nascei, nascei!"

J. Mariano

7:10 da manhã  
Blogger Teorema Editora said...

Feliz Natal e um ano novo repleto das bençãos de Deus.
Graça e paz.

11:59 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Caríssimos comentadores.

Bom natal a todos, na comunhão e renascimento pessoal constante.

Abraços.

12:56 da tarde  

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