Meios buracos, ou a comichão do sieur Pascal
Foi numa conversa de circunstância ou talvez de sempre, em que uma pessoa que acabara de lhe ser apresentada há quase tanto tempo como ainda não, lhe perguntara ambiguamente sorrindo: Mas porquê que exiges tanto de ti, das coisas, da vida – daquele modo que nos faz sentir que está a falar também de si própria. Também. Porque a ele também se referia e ecoava, ele reconhecia-se no reflexo. E pensava que havia “verdade” no que lhe fora dito e ouvido, coisa rara e banal, e que a “contra-verdade” era igualmente válida, que ele cumpria-se pouco na exigência, e que por outro lado e mais “contra-verdade”, devia exigir mais intensa e extensamente. E então pensou: Mas não será isto típico dum tipo de pessoa que exige demais de si, das coisas, da vida, ou melhor e “contra-verdadeiramente”, que tem a bazófia de tal, enche um balão qualquer de estilo e insuficiência, escondendo-se na representação das exigências para melhor desaparecer e fazer precisamente o contrário: exigir-se o mínimo possível, como se nada disto, de si, das coisas, da vida, tivesse afinal a ver consigo e o implicasse “verdadeiramente”. Como se ele, as coisas, a vida, ficassem do lado de fora. Não é nada connosco. ‘Tá-se bem. Um rapaz simpático, que pensa ter um discurso e atitude e peras, e que dirigindo-se à pessoa que acabara de lhe ser apresentada e lhe dirigira tal pergunta ou interpelação, responde, durante imenso tempo responde: Não sei, não sei, e não fazia mesmo a mínima ideia, não fazia a mínima seja do que fosse, ou melhor, sabia e sabe lá ele se fazia ou faz ou não a mínima de seja o que for e seja…
14 Comments:
Energia, Energia/Qualidade, Qualidade (! , ? , . )
um abraço
Caríssimo:
É a primeira vez que entro neste blogue e deixo-le um abraço. Gostei do que vi e, sem lhe pedir licença, linkei-o pois penso voltar mais vezes.
Beijos
Caro Vítor Mácula
Será impressão minha, ou o meu amigo encontra-se algo desagradado/aborrecido comigo, talvez por tê-lo aparentemente contrariado nalguma opinião pessoal, como por exemplo no caso de eu ter criticado certas frivolidades ou 'vãs filosofias' (como diria S. Paulo), mais ou menos relacionadas, a grosso modo, com aquilo que está absolutamente fora do nosso alcance intelectual e/ou sensatez, como, por exemplo, a 'identidade de Deus', o mistério da Santíssima Trindade, ou, enfim, o chamado 'sexo dos Anjos'...
Todavia, não sou, jamais, contra a honesta e pura filosofia, como é certamente aquela que tu mesmo propões e divulgas (aliás relacionada com o próprio Cristianismo), teorias essas que naturalmente respeito (ainda que por vezes logicamente rejeite), sobretudo desde que não sejam radicalmente contrárias ao espírito das Sagradas Escrituras, ou até mesmo ao arrepio da própria ciência humana...
Abraço cordial
JM
Caro Mariano.
Cruzes, canhoto, mas de modo algum! Mas que raio que eu tenha dito te deu essa impressão?!
Esta forma exclamativa de me exprimir tem que ver com... o facto de, de modo mesmo algum nem nenhum, estar desagradado ou aborrecido... O que não significa que tenha concordância total com o que dizes nos comentários ou no teu blogue, mas... o cristianismo é mesmo assim, tem muitas vias, muitas casas, e não sendo evidente, para além do que se poderão chamar os dogmas de base, é produtor de dicções e contradições que o expõem e vão executando na sua complexidade e simplicidade. Quanto aos dogmas de base, para encurtar e simplificar, considero que eles estão muito bem "resumidos" no credo que exclamamos todas as missas dominicais e noutros variados momentos e situações...
O retomar do "tu" no tratamento tem que ver com tentar exprimir que, relativamente a agrados ou desagrados, estamos... como estávamos. Quanto a mim, estamos cá para aprofundar, debater e trocar impressões, pensamentos, atitudes, vivências etc etc etc desta tarefa difícil que é o ser-se cristão. Portanto, pelo contrário, estou muito agradado com a tua presença e acção na "blogosfera" - com concordâncias e discordâncias e por aí fora e dentro...
Um grande abraço!
«...ter criticado certas frivolidades ou 'vãs filosofias' (como diria S. Paulo)»
«Todavia, não sou, jamais, contra a honesta e pura filosofia (...) sobretudo desde que não sejam radicalmente contrárias ao espírito das Sagradas Escrituras»
Comentários destes lembram-me logo o espírito inquisitório de quem se dá mal com o espírito critico, e o espírito dogmático de quem se dá mal com a pluralidade de opiniões. Se dependesse das pessoas que tecem comentários destes, a Terra ainda era o centro do sistema solar, pois na Bíblia infalível é afirmado isso mesmo(nomeadamente no Génesis e no episódio em que Abraão ordena que o Sol pare de se mover). Se dependesse das pessoas que tecem comentários destes a filosofia reduzia-se apenas às «filosofias honestas e puras» de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino. Mas ainda bem que apareceu um Descartes para criticar o sistema de Tomás de Aquino(que não passa de uma cristianização do aristotelismo, ou de uma helenização do cristianismo). E ainda bem que há filósofos cristãos como Ricoeur que não esqueceram aquilo que as «filosofias vãs, encapotadas e de baixo nível» afirmaram.
Mas a verdade é que quer-se queira, quer não, há um cristianismo de intelectuais ou elites e há um cristianismo popular. O primeiro não se esquece das criticas do iluminismo e procura dar-lhes resposta (se o consegue ou não isso é outra questão). É um tipo de cristianismo que tem presente toda a história da filosofia, assim como o que dizem as ciências, e por isso nega coisas como os milagres (como eu já ouvi um teólogo defender). Nega também o absurdo do Diabo (como o próprio JP II fez), para defender a ideia de que o inferno é apenas a ausência de Deus. É um cristianismo que não lê a Bíblia de forma literal, mas que pratica uma exegese. Depois há um segundo tipo de cristianismo que é popular e que por isso mesmo se confunde com o paganismo. Mas estes cristãos estão convencidos que são verdadeiros cristãos, pois seguem aquilo que os «São Paulos» indicaram (não foi por acaso que o ataque de Nietzsche ao cristianismo foi mais dirigido ao São Paulo do que a Jesus). Interpretam a Bíblia de forma literal e recusam tudo aquilo que vá contra as suas palavras (como o Santo Agostinho lhes ensinou). Idolatram as inúmeras «Nossas Senhoras», assim como os inúmeros santos. Acreditam no Diabo e em milagres, pois nada melhor que explicações simples para resolver problemas existenciais complexos. Vivem fechados num mundo feito de rituais pagãos cristianizados, e auto-convencem-se de que é assim que têm uma vida cristã. Basta uma ou outra oração, uma ou outra caridadezinha, para sentirem que praticaram o amor cristão e a abertura ao outro. Vivem o formalismo pagão cristianizado, mas estão convencidos de que vivem o conteúdo da mensagem cristã. Não é estranho, por isso, que afirmem bem alto no seu «user profile» que só têm um interesse: «Só Deus basta! Nada mais interessa!»
Caro ou cara blues.
Sobretudo “?” com arranques de “!” e anseios de “.”.
Um abraço.
Caro Caríssimos (uau!), cara Sandra Gomes.
Bem aparecida! Aproveito para lhe dizer que também a irei linkar.
Um abraço.
Caro Luís.
Essa do cristianismo intelectual e do cristianismo popular já me foi dita noutro blogue. Percebo mais ou menos a ideia, mas é-me difícil configurar nessa distinção, pelo menos de forma essencial, as formas do cristianismo. Primeiro, porque o que está em jogo no cristianismo, assim como em qualquer religião, não é uma doutrina mas formas de vida e existência. Por exemplo não-cristão, é mais budista aquele que esvazia a sua mente em exercícios de yoga e meditação, do que aquele que faz a sua dissertação de doutoramento acerca do nirvana. O aprofundamento da doutrina de base (comum a intelectuais e populares, e que no cristianismo se “resume”, grosso modo, no credo) é executado religiosamente nas práticas de vida e olhar, mais do que na especulação histórico-filosófica. E segundo, porque ao ler-se muitos dos textos fundadores, aparece claramente que eles são situados e relativos a um indivíduo, um tempo, uma cultura. Por exemplo, as cartas de S. Paulo, apresentam-se tal qual para exegetas académicos e sapateiros. Ou seja, a necessidade de “interpretação” – ou, se preferir, de interpelação e desafio à compreensão e execução – é um elemento intrínsseco aos próprios textos. Há é quem aceite sem mais, que o movimento de interpelação e interpretação findou, ou se queda na voz do magistério romano. Para além do perigo de papolatria e eclesiolatria que esta atitude comporta, convém lembrar que, e mesmo em Roma e por exemplo, os protestantes foram apartados do reino dos céus, de que agora são co-participantres – para não falar do famigerado caso de Galileu.
Mas também há quem sofra do perigo duma “interpretolatria”.
Enfim, névoas da religiosidade…
Um abraço.
Obrigado Vitor pela tua visita ao meu blog. Minhas escritas são subjetivas. Até já !
Caro Vitor Mácula
A distinção que eu fiz entre um cristianismo popular e um outro elitista não é minha, mas tem, sim, as suas raízes na distinção feita pelo cristão Pascal. Como sabe, ele considerou que há um Deus da Bíblia e um Deus dos filósofos, tendo afirmado que o verdadeiro Deus é o daquela (o Deus de Abraão, Isaac e Jacob).
Mas eu diria que é na oposição que ele faz que se pode falar mais de um confronto de doutrinas, do que naquela que eu fiz. A que ele faz distingue o Deus racionalizado do Deus bíblico. A que eu fiz aponta, precisamente, para duas formas de viver o cristianismo, mas que não deixa de ter relação com a forma como se concebe Deus e a religião (o que é diferente de fazer uma tese de doutoramento acerca de Deus).
O cristianismo popular é um cristianismo que assimilou (e assimila) práticas pagãs. Aliás, foi isso que permitiu que ele se impusesse e espalhasse, e que garantiu a sua sobrevivência. O que o povo espera da religião são soluções mágicas para os seus problemas, e daí que as seitas produtoras de milagres exerçam tanta atracção sobre os crentes, levando-os a abandonar o catolicismo, que se mostra cada vez mais reticente em alinhar com tais praticas. Mais do que fé em Deus, o que o povo tem é uma fezada.
E que cristianismo é aquele que recusa essas praticas? É o que é concebido e vivido por elites. Estas quando negam os milagres não estão à espera que estes aconteçam na sua vida. Quando têm fé em Deus não têm fezadas nos Santos ou nas «Nossas Senhoras». Nem acreditam em Deus por interesse, pois a fé para o ser verdadeiramente tem que ser desinteressada.
PS: Segundo o documento papal «Dominus Iesus» a única religião verdadeira e que permite a salvação é o catolicismo cristão. Todas as outras, incluindo o protestantismo, são religiões inferiores ou que se desviaram do verdadeiro cristianismo.
E a propósito da Nova Evangelização veja-se este artigo do Público, onde um cristão pôe em causa vários aspectos do cristianismo popular.
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O inferno não existe e a ressurreição não foi como se pensa
Michel Quesnel, biblista francês e reitor da Universidade Católica de Lyon, não concebe que "um Deus que ama as suas criaturas" conceba "um inferno com uma eternidade de sofrimento". Com afirmações claras, fundamentando-se naquilo que a Bíblia diz, o teólogo acrescentou que a própria liturgia católica "favoreceu talvez ideias falsas sobre a ressurreição de Jesus".
Na última das conferências plenárias do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, que amanhã termina em Lisboa, Quesnel desmontou algumas ideias feitas - mesmo no interior do catolicismo - a partir do desejo humano de prolongar a vida depois da morte, e que se traduz em formas como a descendência, as obras intemporais ou através do congelamento do corpo.
A ressurreição, considerou, é uma resposta "original" do cristianismo a esta vontade, mas hoje há "numerosos cristãos que se consideram cristãos e dizem não acreditar" nessa realidade. O problema é que a própria Igreja favoreceu as ideias falsas sobre a ressurreição de Jesus: "Muitas pessoas imaginam que Jesus foi colocado no túmulo, saiu três dias mais tarde, e que viveu no meio dos seus discípulos durante quarenta dias", quando "subiu ao Céu e foi subtraído da vista dos homens". Esta maneira de ver "é falsa, os textos bíblicos não a autorizam".
Um dos protagonistas da renovação dos estudos bíblicos contemporâneos, Quesnel disse que Jesus "está vivo com uma vida inteiramente nova", mas que a ressurreição não foi verificada "por testemunhas neutras", nem haverá "nunca" provas dela. O modo como ela tem sido apresentada pela Igreja leva mesmo a "representações imaginárias".
O modo como o catecismo católico tem falado da eternidade também não é satisfatório, acrescentou Quesnel. O purgatório tentou resolver o aspecto trágico da condenação eterna, mas tão-pouco resultou. E, em outros universos religiosos, o purgatório é como que substituído pela reencarnação ou pela transmigração das almas.
O teólogo francês afirmou ainda que não vale a pena prolongar a vida humana indefinidamente: a metade da humanidade mais nova teria que cuidar da metade mais idosa e a própria Terra desaparecerá. Ao contrário, "morrer faz parte da nossa dignidade e é uma condição para a nossa felicidade actual". A.M.
Caro Luis.
Ah, o grande Pascal… Mas deixemos “isso”.
O problema da assimilação cristã de práticas, pontos de vista e ideias, está nos modos como essa apropriação é feita – isto é, em termos neotestamentários, se essas coisas são retomadas e renovadas cristologicamente.
Se uma data ou rituais adaptados de, por exemplo, uma celebração do Sol, ou a adoração de relíquias de não sei quem, induzem alguém à disposição adequada de oração, transformação, abertura e acção cristãs… essa é a pedra de toque para aferir-se do cristianismo, para quem nada é estranho e tudo renovável, transformando evidentemente esse nada ou algo, e fazendo-o não ser mais o que foi ou aparenta. E isto vale também e já agora, para a filosofia, que sem mais, é uma actividade “pagã”
Faço notar que estamos a falar e a definir o cristianismo; nada disto significa que o que não é cristão seja mau ou desprezível.
Agora, os perigos e práticas de superstição e idolatria com aparência cristã que você indica… são mais que evidentes. Tem toda a razão ao indicar estes como formas e concepções da vida e de Deus, e não como estritamente intelectuais. Eu não faria era essa distinção, tão nebulosa para mim, entre povo e intelectuais, mas isso é um detalhe de somenos.
Considero a sua avaliação da fé extremamente pertinente.
O documento “Dominus Iesus” não é papal, mas sim da “Congregação para a doutrina da fé”, na altura presidida por Ratzinger, de facto actual papa – mas isso, para o caso, também é de somenos. Não diz bem que o catolicismo cristão é a única religião verdadeira e que permite a salvação, mas sim que o depósito autêntico da fé cristã, e sua interpretação mais completa, está no magistério romano, e que é deste que, por assim dizer, menos ou mais recentemente, “partiram” e se desenvolvem os “outros” cristianismos. Confirma também que a salvação se estende a todas as pessoas de boa vontade, indicando porém que, tendo ou não elas consciência ou assumpção de tal, é através da Igreja que elas se salvam, entendida esta como corpo místico de Cristo.Indica também que sementes da verdade divina andam espalhados pelo mundo e religiões fora. Mas é claro que é um documento muito delicado em termos ecuménicos, inter-religiosos e multiculturais, e até teológicos. Por outro lado também, é verdade que os textos de Ratzinger e porventura de Bento XVI, tendem a exprimir implicitamente uma associação marcada entre o corpo místico de Cristo e a Igreja visivelmente vaticano-romana.
Bom, e já é a segunda vez que esta semana “ouço” falar desse Quesnel – que tratarei de ler oportunamente.
Um abraço.
Olá Vitor... Gosto do que leio. Tomei a liberdade de linkar um post seu no último que postei em meu blog... dê uma olhada - em tudo, o que posso dizer é que o Espírito é o mesmo, assustadoramente o mesmo.
Ele vem!
Abraços...
Alô, Pescador!
Que venha sim, e continuadamente!
Gostei da rima (linkagem).
Um abraço.
Caro Chute.
Bem, isto dos obrigados... e obrigado também!
Inté, e um abraço.
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