segunda-feira, abril 30, 2007

Curral

Todo o instante e situação requer uma decisão, quer a tomemos ou não. Era o que os antigos reflectiam ao afirmar que a vida é uma questão séria que só a ironia pode resolver. A trágica comédia da vida, quase toda padecida, tantas vezes cantada e trambolhada sem ser embrulhada como na prosa do tio Camilo ou no feeling do desconhecido que se entristece ao nosso lado no balcão do bar, todos ali sentados com o nosso haver ser. Que fazemos?

É nas entranhas da alma que jazemos sentados, aqueles rasgados pela saudade do que ainda não viram, platónicos e românticos e cansados de esperar. C’ est três simple, quand même, lá no fundo e na superfície, todos gostaríamos que o mundo fosse amor e esplendor e no entanto que fazemos.

16 Comments:

Blogger Daniel said...

passei só para te cumprimentar Victor... um abraço, Deus te abençoe...

Agradeço a todos os que desejarem, a visitarem o meu blog, www.danielaurelio.blogspot.com, e analisarem o artigo sobre a predestinação de Judas

11:49 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Espanto e tremor: que as coisas sejam, e nós sejamos. Porque o que fazemos (oh, mas o que fazemos nós que não seja aquilo que somos?), o que alguém faz do que fazemos, é a vitória permanente do Não-ser.

Não sei. Aqui estamos e nada mais? Penso que não, em momento algum é assim. Aqui estamos e aqui alguma coisa nos enlaça. Não falo dos laços do Amor. Alguma coisa nos desfaz. Alguma coisa fendeu a Criação.

Aqui estamos nós, no abismo que foi feito Mundo.

Il n'y a que le Diable pour nous parler de Dieu.

7:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Apologia de uma contemplação resignada? Uma estética de si que se rgozija no espectáculo de si mesmo? Apesar de referires os outros, qual o papel concreto na vida de cada um de nós,companheiros desinteressados de si mesmos?


Abraços longos

4:20 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Olá, Daniel, interpelando... abrençãos para ti :)

10:45 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Eh non, Hellena, il y’ a aussi (surtout) le Christ. Enfin, pour un chrétien, bien sûr ;)

Mas todos nos iniciamos, por assim dizer, na divisão, no susto, no fecho – isto é, no demoníaco.

Há também o aspecto mais misterioso de Deus se nos dar por ausência, na radical diferença ; também o Cristo ressurrecto não é directamente reconhecível, nem pelos discípulos de primeira mão (Madalena, os de Emaus…) nem pelos de segunda (os cristãos, o corpo místico…).

Voltando ao isolamento que nos confina nadificando-nos, passa-se que o que nos desfaz não é evidente ; e o que nos refaz, correspondentemente, também não o é. Há uma secreta relação entre Deus e a Criação, por cima do abismo que os separa ; e também a há entre Deus e os seus opositores espirituais. E uma relação entre ambas estas relações.

Aqui estamos e nada mais refere-se à reflexão extática – o Ricardo Reis é que percebe disto ;) E esta estrita apreensão de si no estar e na contemplação, tê-la-iamos com ou sem susto (no terror pacífico), penso eu. Suspeito até que ela seria mais actuante e assumida sem susto nem fuga, sem esta tendência para recalcarmo-nos e projectarmo-nos em determinações por um lado assustadas, por outro e em reacção, bazofientas de orgulho e falsas certezas (e isto é também o demoníaco). Não sei bem, para variar ;) Há a morte, sim. E a injustiça e as trevas dos humanos. Mas há porventura a impressão, nessa suspensão extática, que tudo se banha na intemporalidade e que o abismo não é o limite. É apenas um pequeno estertor, uma idefenida experiência de no fundo de nós e de tudo – o escoamento não se escoar e tudo se mantém presente no desaparecimento (se eu não fôr, o paracleto não vem ;) Como que pressentimos que tudo, desde a gota de água às almas acesas – é inanulável (no espírito de Deus, o único cujo olhar perspassa o fundo do abismo e chega até nós, chega até tudo). É algo de muito… interior… muito fugidio… ou que tendemos, queremos, a esquecer. Somos intrinssecamente em queda, anulando e nadificando(-nos). Enfim, pour un chrétien, bien sûr ;)

Claro que a pergunta de fundo e teodelírio é : Qual a relação de Deus, com o abismo de negação… (Nota : Deus cai até nós em Cristo, morre e desce aos infernos).

Um abraço.

11:05 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Olá, Musonius.

Eu cá estou sempre interessado, nem que seja pelo desinteresse (antes uma vontade de nada que um nada de vontade, dizia o outro ;) Algo que me mova. É mais na relação com o interesse que se dá a renúncia cristã, comigo, e não num desamor qualquer pela vida e pelo tempo e pelas pessoas e pelo resto.

Bem, e a questão é que tem de ser uma estética ética, uma contemplação que seja acto, um verbo que seja ser. Uma contemplação que decida, que me decida. A resignação reside não na recusa, mas na assumpção da vida – e dos outros – como livres, como soltos de nós, mesmo que ligados (e até precisamente, por e através disso mesmo), e nessa assumpção somos para a vida, digamos assim – e para os outros – mais do que esta ou estes são para nós. Uma espécie de estoicismo amoroso (contraditório na acção, impossível, venha Deus e faça-o, venha Deus e faça-nos ;) Estar aberto à vida e ao outro até à dor, ver que do outro é profundamente e essencial – o estar apartado de nós pelo abismo da diferença. Mesmo o mais íntimo amigo, o mais profundo amor, a mais intensa paisagem ou experiência.

O próprio acto de contemplação constitui-se na diferença. Olhar algo, é distingui-lo de quem olha, mesmo quando olha para si próprio (oh esta multiplicação de nós que se dá na reflexão !)

Ser apaixonados soltos na relação uns com os outros…

Somos em-companhia de imediato, de raíz, mesmo na solidão – pensentimo-nos a nós próprios, às paredes, falamos a. Todo o Robinson Crusoe, põe de imediato um Sexta-feira.

Amar é querer que o outro seja, dizia o tio Agostinho. Se seja a si próprio, distinto de mim. Assim, o acto de criação é um acto de amor, é querer o outro a ponto de o retirar do nada, de o fazer ser. Mas só Deus ama assim. Em nós corresponde à aceitação e co-criação (ou negação, resistência a tal, e voltamos ao demoníaco).

E acabemos cantando, carago ;) O que é preciso é aprender a amar, e então sabemos viver, e então sabemos morrer. E então sabemos estar connosco e com os outros e com o resto…

Abraço aberto

11:20 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Fónix, qu' isto hoje está apologético... :) Arriba, arriba!

11:22 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Ah Musonius, pois, repara... platónicos e românticos e cansados de esperar... ou seja, fartos que a contemplação esteja na contramão da acção ;)

11:40 da manhã  
Blogger NaSacris said...

Hummm... Será que vais aceitar o desafio?!
Aqui:
http://nasacristia.blogspot.com/2007/05/se-eu-fosse.html

12:54 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Ora, ora, Pedro… O melhor é desfiar o desafio orando e agindo… ;) Abraço, e bom fim de semana

6:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

(resposta ao comentário do Vitor em resposta ao meu anterior)

O Mal como um blá blá blá. O Mal como uma distãncia, um véu, uma impossibilidade, um pretexto poético para dizer coisas tristes e belas, o Mal-spleen parisiense e fin-de-siècle e interior e calado, o Mal como uma coisa "nossa", o Mal que se não chega a pôr a si mesmo como o Rival:

A imensa cegueira e a imensa doçura do olhar da moderna Igreja.

Gostei da "pergunta de fundo". E gostei do "teodelírio". Acrescento que falta também saber qual é a relação do mundo-dos-átomos, do mundo-pano-de-fundo, do mundo-coisa, com o abismo de negação.

O espaço e o tempo como coisas neutras, vazias, cortinas-de-palco do teatro chamado Homem: que armadilha.

6:51 da tarde  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Fazemos «amor»... e «fodemos» esta merda toda! :)

Abraço.

12:37 da manhã  
Blogger Terpsichore Diotima (lusitana combatente) said...

Quando leio o que escreve, dá-me vontade de falar consigo..., de comunicar, admiro a sua amabilidade para com as pessoas. E há tanta cristandade (como eu a vejo) na inteligência...!

Esta vontade de dialogar com alguém especial, faz-me pensar numa coisa que li ainda hoje, e que significa o fenómeno contrário.
Alguém altamente instruído, e que nunca poria a sua própria integridade moral em questão; pai, divorciado, afirmava estar bem adaptado a estar sozinho, praticamente sem sentir falta de uma companheira. Só, por exemplo, há uns dias vira uma mulher que era muito bonita. Isso então punha-o a pensar em ter uma mulher...

E houve mulheres que responderam ao senhor em questão, que achavam o que ele escrevera lindo! Enternecia-as. Ou seja, tanto os homens não compreenderam que o ser-se mulher não é ser-se um corpo, como as mulheres se identificam ainda de tal maneira com o seu corpo e aspecto que nem compreendem o que isso significa.
Para mim, aquele escrito, em vez de me tocar ou enternecer, repugna-me: ele que compre um quadro - ou um objecto qualquer que ache bonito. Mas não. Um objecto bonito não lhe chega. Ele quer um ''objecto vivo''...

É trágico. A quantidade de artistas, homens, pessoas, para quem inevitavelmente 'a mulher', é 'o corpo'...
Tão revoltante.
Tão bárbaro.
Tão primitivo.

Tão desesperante.

10:30 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Sim, Hellena.

Nenhum anjo, animal, humano, criatura alguma – incarna o mal absoluto, ou se preferires, consegue executá-lo na plenitude. O mal absoluto é o eco de não-ser que é posto pelo ser de seja o que fôr (aqui espreita-se o teu acrescento da relação do mundo-dos-átomos etc). É o oposto do verbo divino – o vazio absoluto. O que a queda, seja de anjos, de humanos ou do mundo significa – é a atracção por esse anti-ser, que ao personificar-se se negaria a si próprio e afirmaria um grão qualquer de ser.

O inferno não é o reino do mal absoluto, mas a sua devoção. Um jogo que o ser permite, digamos assim. O bem, é condição de possibilidade do mal, que no primeiro se apoia. Para ser-se satanás, o opositor, requer-se ser portador da luz divina. Aqui entramos numa questão muito densa: qual o mal (ou o menos-ser) que está directamente adequado à vontade de deus (ou, se preferirmos, ao próprio acto de criação, assim como à redenção) – se é que o há - e qual o que lhe vai na contramão.

A relação de Deus com o mal (ah Job!); e também, a partir de que desvios me reencaminho, ou sou reencaminhado.

Quanto à Igreja, moderna ou tradicional, penso que é uma realidade suficientemente complexa (e sobretudo, mistérica) para não reduzir-se a dicotomias do género ;)

Mas claro a cegueira, nossa constante companheira...

E a tua última frase, deixa-me a pensar...

Abraço.

PS: E já que falamos de igreja, também esta não está isenta do mal (embora aqui, claro, dependa do que se designa por “igreja”)

10:42 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Precisamente, Klatuu, e assim ele nos refaça ;) Quanto à vitória do amor, pour un chrétien, ela é constante... mas raramente se dá espalhafatosamente. Dá-se em pequenos impossíveis como poemas escritos nas paredes de Auschwitz (e à famosa pergunta de Adorno acerca de “que poesia é possível depois de Auschwitz” é a própria história que lhe responde, ou melhor dizendo, a própria poesia;) e os pequenos ou grandes actos de generosidade que luzem nos maiores horrores e etc... A pequena flor... O mais gritante é quando o seu contraste é exposto na sua simultaneidade… Nos gestos de ternura e generosidade dum sacripanta… que também os tem… os momentos de cumplicidade e afinidade entre o torturador e o torturado… O bem e o belo vencem sempre, porque se fundam em si próprios e não nos acontecimentos, digamos assim... estão sempre presentes, por vezes escondidos pelo granel, mas sempre lá... o tempo não os derrota (ah platónicos!)... Abraço, combatente

10:54 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Oh sim, Fada Oriana, urge que as mulheres se tornem sujeitos de si… A representação da mulher enquanto sedutora e cortesã – e o seu correspondente antitético de virgem e mãe – decorre de factores históricos de alienação da mulher… em que a mulher é entendida e definida na sua relação com o homem… São factores que nos cindiram… quero dizer, não se trata apenas duma repressão sobre as mulheres, mas duma repressão antropológica, em que por exemplo certa emotividade é reprimida no masculino (Um homem não chora… ) e estamos a milhas da resolução desta questão (embora evidentemente o pô-la, poder pô-la, conseguir atabalhoadamente pensá-la e interrogar-se e ir agindo – é um passo enorme). Um abraço

11:00 da manhã  

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