Curral
Todo o instante e situação requer uma decisão, quer a tomemos ou não. Era o que os antigos reflectiam ao afirmar que a vida é uma questão séria que só a ironia pode resolver. A trágica comédia da vida, quase toda padecida, tantas vezes cantada e trambolhada sem ser embrulhada como na prosa do tio Camilo ou no feeling do desconhecido que se entristece ao nosso lado no balcão do bar, todos ali sentados com o nosso haver ser. Que fazemos?
É nas entranhas da alma que jazemos sentados, aqueles rasgados pela saudade do que ainda não viram, platónicos e românticos e cansados de esperar. C’ est três simple, quand même, lá no fundo e na superfície, todos gostaríamos que o mundo fosse amor e esplendor e no entanto que fazemos.
É nas entranhas da alma que jazemos sentados, aqueles rasgados pela saudade do que ainda não viram, platónicos e românticos e cansados de esperar. C’ est três simple, quand même, lá no fundo e na superfície, todos gostaríamos que o mundo fosse amor e esplendor e no entanto que fazemos.
16 Comments:
passei só para te cumprimentar Victor... um abraço, Deus te abençoe...
Agradeço a todos os que desejarem, a visitarem o meu blog, www.danielaurelio.blogspot.com, e analisarem o artigo sobre a predestinação de Judas
Espanto e tremor: que as coisas sejam, e nós sejamos. Porque o que fazemos (oh, mas o que fazemos nós que não seja aquilo que somos?), o que alguém faz do que fazemos, é a vitória permanente do Não-ser.
Não sei. Aqui estamos e nada mais? Penso que não, em momento algum é assim. Aqui estamos e aqui alguma coisa nos enlaça. Não falo dos laços do Amor. Alguma coisa nos desfaz. Alguma coisa fendeu a Criação.
Aqui estamos nós, no abismo que foi feito Mundo.
Il n'y a que le Diable pour nous parler de Dieu.
Apologia de uma contemplação resignada? Uma estética de si que se rgozija no espectáculo de si mesmo? Apesar de referires os outros, qual o papel concreto na vida de cada um de nós,companheiros desinteressados de si mesmos?
Abraços longos
Olá, Daniel, interpelando... abrençãos para ti :)
Eh non, Hellena, il y’ a aussi (surtout) le Christ. Enfin, pour un chrétien, bien sûr ;)
Mas todos nos iniciamos, por assim dizer, na divisão, no susto, no fecho – isto é, no demoníaco.
Há também o aspecto mais misterioso de Deus se nos dar por ausência, na radical diferença ; também o Cristo ressurrecto não é directamente reconhecível, nem pelos discípulos de primeira mão (Madalena, os de Emaus…) nem pelos de segunda (os cristãos, o corpo místico…).
Voltando ao isolamento que nos confina nadificando-nos, passa-se que o que nos desfaz não é evidente ; e o que nos refaz, correspondentemente, também não o é. Há uma secreta relação entre Deus e a Criação, por cima do abismo que os separa ; e também a há entre Deus e os seus opositores espirituais. E uma relação entre ambas estas relações.
Aqui estamos e nada mais refere-se à reflexão extática – o Ricardo Reis é que percebe disto ;) E esta estrita apreensão de si no estar e na contemplação, tê-la-iamos com ou sem susto (no terror pacífico), penso eu. Suspeito até que ela seria mais actuante e assumida sem susto nem fuga, sem esta tendência para recalcarmo-nos e projectarmo-nos em determinações por um lado assustadas, por outro e em reacção, bazofientas de orgulho e falsas certezas (e isto é também o demoníaco). Não sei bem, para variar ;) Há a morte, sim. E a injustiça e as trevas dos humanos. Mas há porventura a impressão, nessa suspensão extática, que tudo se banha na intemporalidade e que o abismo não é o limite. É apenas um pequeno estertor, uma idefenida experiência de no fundo de nós e de tudo – o escoamento não se escoar e tudo se mantém presente no desaparecimento (se eu não fôr, o paracleto não vem ;) Como que pressentimos que tudo, desde a gota de água às almas acesas – é inanulável (no espírito de Deus, o único cujo olhar perspassa o fundo do abismo e chega até nós, chega até tudo). É algo de muito… interior… muito fugidio… ou que tendemos, queremos, a esquecer. Somos intrinssecamente em queda, anulando e nadificando(-nos). Enfim, pour un chrétien, bien sûr ;)
Claro que a pergunta de fundo e teodelírio é : Qual a relação de Deus, com o abismo de negação… (Nota : Deus cai até nós em Cristo, morre e desce aos infernos).
Um abraço.
Olá, Musonius.
Eu cá estou sempre interessado, nem que seja pelo desinteresse (antes uma vontade de nada que um nada de vontade, dizia o outro ;) Algo que me mova. É mais na relação com o interesse que se dá a renúncia cristã, comigo, e não num desamor qualquer pela vida e pelo tempo e pelas pessoas e pelo resto.
Bem, e a questão é que tem de ser uma estética ética, uma contemplação que seja acto, um verbo que seja ser. Uma contemplação que decida, que me decida. A resignação reside não na recusa, mas na assumpção da vida – e dos outros – como livres, como soltos de nós, mesmo que ligados (e até precisamente, por e através disso mesmo), e nessa assumpção somos para a vida, digamos assim – e para os outros – mais do que esta ou estes são para nós. Uma espécie de estoicismo amoroso (contraditório na acção, impossível, venha Deus e faça-o, venha Deus e faça-nos ;) Estar aberto à vida e ao outro até à dor, ver que do outro é profundamente e essencial – o estar apartado de nós pelo abismo da diferença. Mesmo o mais íntimo amigo, o mais profundo amor, a mais intensa paisagem ou experiência.
O próprio acto de contemplação constitui-se na diferença. Olhar algo, é distingui-lo de quem olha, mesmo quando olha para si próprio (oh esta multiplicação de nós que se dá na reflexão !)
Ser apaixonados soltos na relação uns com os outros…
Somos em-companhia de imediato, de raíz, mesmo na solidão – pensentimo-nos a nós próprios, às paredes, falamos a. Todo o Robinson Crusoe, põe de imediato um Sexta-feira.
Amar é querer que o outro seja, dizia o tio Agostinho. Se seja a si próprio, distinto de mim. Assim, o acto de criação é um acto de amor, é querer o outro a ponto de o retirar do nada, de o fazer ser. Mas só Deus ama assim. Em nós corresponde à aceitação e co-criação (ou negação, resistência a tal, e voltamos ao demoníaco).
E acabemos cantando, carago ;) O que é preciso é aprender a amar, e então sabemos viver, e então sabemos morrer. E então sabemos estar connosco e com os outros e com o resto…
Abraço aberto
Fónix, qu' isto hoje está apologético... :) Arriba, arriba!
Ah Musonius, pois, repara... platónicos e românticos e cansados de esperar... ou seja, fartos que a contemplação esteja na contramão da acção ;)
Hummm... Será que vais aceitar o desafio?!
Aqui:
http://nasacristia.blogspot.com/2007/05/se-eu-fosse.html
Ora, ora, Pedro… O melhor é desfiar o desafio orando e agindo… ;) Abraço, e bom fim de semana
(resposta ao comentário do Vitor em resposta ao meu anterior)
O Mal como um blá blá blá. O Mal como uma distãncia, um véu, uma impossibilidade, um pretexto poético para dizer coisas tristes e belas, o Mal-spleen parisiense e fin-de-siècle e interior e calado, o Mal como uma coisa "nossa", o Mal que se não chega a pôr a si mesmo como o Rival:
A imensa cegueira e a imensa doçura do olhar da moderna Igreja.
Gostei da "pergunta de fundo". E gostei do "teodelírio". Acrescento que falta também saber qual é a relação do mundo-dos-átomos, do mundo-pano-de-fundo, do mundo-coisa, com o abismo de negação.
O espaço e o tempo como coisas neutras, vazias, cortinas-de-palco do teatro chamado Homem: que armadilha.
Fazemos «amor»... e «fodemos» esta merda toda! :)
Abraço.
Quando leio o que escreve, dá-me vontade de falar consigo..., de comunicar, admiro a sua amabilidade para com as pessoas. E há tanta cristandade (como eu a vejo) na inteligência...!
Esta vontade de dialogar com alguém especial, faz-me pensar numa coisa que li ainda hoje, e que significa o fenómeno contrário.
Alguém altamente instruído, e que nunca poria a sua própria integridade moral em questão; pai, divorciado, afirmava estar bem adaptado a estar sozinho, praticamente sem sentir falta de uma companheira. Só, por exemplo, há uns dias vira uma mulher que era muito bonita. Isso então punha-o a pensar em ter uma mulher...
E houve mulheres que responderam ao senhor em questão, que achavam o que ele escrevera lindo! Enternecia-as. Ou seja, tanto os homens não compreenderam que o ser-se mulher não é ser-se um corpo, como as mulheres se identificam ainda de tal maneira com o seu corpo e aspecto que nem compreendem o que isso significa.
Para mim, aquele escrito, em vez de me tocar ou enternecer, repugna-me: ele que compre um quadro - ou um objecto qualquer que ache bonito. Mas não. Um objecto bonito não lhe chega. Ele quer um ''objecto vivo''...
É trágico. A quantidade de artistas, homens, pessoas, para quem inevitavelmente 'a mulher', é 'o corpo'...
Tão revoltante.
Tão bárbaro.
Tão primitivo.
Tão desesperante.
Sim, Hellena.
Nenhum anjo, animal, humano, criatura alguma – incarna o mal absoluto, ou se preferires, consegue executá-lo na plenitude. O mal absoluto é o eco de não-ser que é posto pelo ser de seja o que fôr (aqui espreita-se o teu acrescento da relação do mundo-dos-átomos etc). É o oposto do verbo divino – o vazio absoluto. O que a queda, seja de anjos, de humanos ou do mundo significa – é a atracção por esse anti-ser, que ao personificar-se se negaria a si próprio e afirmaria um grão qualquer de ser.
O inferno não é o reino do mal absoluto, mas a sua devoção. Um jogo que o ser permite, digamos assim. O bem, é condição de possibilidade do mal, que no primeiro se apoia. Para ser-se satanás, o opositor, requer-se ser portador da luz divina. Aqui entramos numa questão muito densa: qual o mal (ou o menos-ser) que está directamente adequado à vontade de deus (ou, se preferirmos, ao próprio acto de criação, assim como à redenção) – se é que o há - e qual o que lhe vai na contramão.
A relação de Deus com o mal (ah Job!); e também, a partir de que desvios me reencaminho, ou sou reencaminhado.
Quanto à Igreja, moderna ou tradicional, penso que é uma realidade suficientemente complexa (e sobretudo, mistérica) para não reduzir-se a dicotomias do género ;)
Mas claro a cegueira, nossa constante companheira...
E a tua última frase, deixa-me a pensar...
Abraço.
PS: E já que falamos de igreja, também esta não está isenta do mal (embora aqui, claro, dependa do que se designa por “igreja”)
Precisamente, Klatuu, e assim ele nos refaça ;) Quanto à vitória do amor, pour un chrétien, ela é constante... mas raramente se dá espalhafatosamente. Dá-se em pequenos impossíveis como poemas escritos nas paredes de Auschwitz (e à famosa pergunta de Adorno acerca de “que poesia é possível depois de Auschwitz” é a própria história que lhe responde, ou melhor dizendo, a própria poesia;) e os pequenos ou grandes actos de generosidade que luzem nos maiores horrores e etc... A pequena flor... O mais gritante é quando o seu contraste é exposto na sua simultaneidade… Nos gestos de ternura e generosidade dum sacripanta… que também os tem… os momentos de cumplicidade e afinidade entre o torturador e o torturado… O bem e o belo vencem sempre, porque se fundam em si próprios e não nos acontecimentos, digamos assim... estão sempre presentes, por vezes escondidos pelo granel, mas sempre lá... o tempo não os derrota (ah platónicos!)... Abraço, combatente
Oh sim, Fada Oriana, urge que as mulheres se tornem sujeitos de si… A representação da mulher enquanto sedutora e cortesã – e o seu correspondente antitético de virgem e mãe – decorre de factores históricos de alienação da mulher… em que a mulher é entendida e definida na sua relação com o homem… São factores que nos cindiram… quero dizer, não se trata apenas duma repressão sobre as mulheres, mas duma repressão antropológica, em que por exemplo certa emotividade é reprimida no masculino (Um homem não chora… ) e estamos a milhas da resolução desta questão (embora evidentemente o pô-la, poder pô-la, conseguir atabalhoadamente pensá-la e interrogar-se e ir agindo – é um passo enorme). Um abraço
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