sexta-feira, março 17, 2006

Humildade

A verdade é que uma das minhas maiores ilusões é a vaidade. Por isso gosto tanto daquela do João Clímaco, de se deitar à frente da porta da igreja à hora do culto, para todos o pisarem quando entrassem, até ao penúltimo, levantando-se e entrando por último para a celebração. É a oscilação e o balanço do funâmbulo cristão. A humildade, é evidentemente uma forma de vaidade.
Há uma vaidade na vontade, na ideia de cristianismo, um orgulho de santidade – que anula o seu fundo.

Não tem saída, isto.
Sem Ele, estamos feitos ao bife. (Quero dizer, estou.)

35 Comments:

Anonymous Anónimo said...

disseste bem!! estamos!!

8:51 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Algúém dizia, sobre a santidade, que a sua verdade está na inconsciência de si mesma. Creio que o mesmo se poderia dizer da humildade...
Agostinho da Silva, numa das suas Conversas Vadias, chamava a atenção para a forma apressada como catalogamos a coisas em boas e más. Uma pessoa humana, dizia ele, não tem virtudes ou defeitos, mas sim características. O importante (e o determinante) é o que cada um constroi com elas.
Por acaso, já ouvi um padre, a propósito do esmero com que uma igreja estava adornada em dia de lausperene, a falar da "santa vaidade"... :o)

3:05 da tarde  
Blogger Manuel said...

A humildade é apenas uma das minhas inúmeras virtudes! :)
Bem vindo! Andei por aqui à tua procura e o teu blog näo dava sinais de vida... Deve ter sido um momento de humildade virtual... :)
Abraço

3:41 da tarde  
Blogger Goldmundo said...

Não gosto muito de gestos humildes, ou não gosto de grandes gestos humildes como esse do João Clímaco, e nunca tinha ouvido essa história. (digo que não gosto do gesto como se o pudesse retirar do João Clímaco: "ah, tocadora de harpa, se eu pudesse...") Não gosto muito de coisas grandiosamente pequenas.

E isto que digo também é uma forma de orgulho. Medirmos os outros (mesmo que seja para saber que somos mais "pequenos" que eles), medirmos as coisas (mesmo que para saber se são "justas")... terrível, não é?

Abraço :)

2:08 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Cara Sophia, querido Zé Beirão, amigo Jorge!

Seremos de raiz alices no país das maravilhas e simultaneamente do outro lado do espelho… ???... Adequados à vida e na contramão dessa adequação… Saber que não se sabe, viver que se morre, amar que se perde…

Algo vem?... E põe a mão na contramão…

Abraços!

1:24 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro anónimo penso que narigudo :)

Lembro-me da santa desvergonha…

E sim, a humildade conhece-se sempre como vaidade. É quando se dissolve a distinção, o próprio critério, e se anseia pela divindade sem mais, que se abre a estrada do cristianismo… Clímaco faz o seu gesto na relação directa com os irmãos que o pisam e etc, ou com o anseio fito na desagregação de si perante o divino… Faz-se o que se fizer para ser pequeno ou grande, e o critério somos nós próprios na nossa tendência para a definição e fecho; faz-se o que se fizer na desvergonha total de se entregar ao mistério divino, e o critério que clama somos nós desfeitos na tendência para a indefinição e abertura. Aquele que se constrói na representação de si para si e para os outros, está preso; aquele que se desconstrói na dissolução das representações e resultados visíveis, inicia a loucura cristã da vivência na liberdade de Deus. Ser enxovalhado ou levado ao altar em vida, é para ele um nada de valor – é outra a sua dinâmica. Fiat lux. E o resto é acidental. E o resto é com Deus.

(Porra, quão fácil é, aparentemente… falar ;)

Abraço.

1:32 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Mestre Gold.

Isto é um berbicacho…

Eu também não gosto muito do gesto por si. Mas interpela. Se eu o vejo, mo represento, lá está – enorme pretensão e vaidade. Mas lá está 2 – o que está em jogo?...

Ao vê-lo como afirmação de humildade, não estarei a efectivar uma dinâmica de pretensão do eu, que está em mim, e não no gesto de Clímaco?...

(É curioso como no acto de julgar, são as estruturas do julgamento que se apresentam, mais do que o julgado que nelas se configura. Isto é, é aquele que julga que se mostra. O aviso jesuânico do "não julgarás", mais do que (ou para além de) um aviso moral, é essencialmente um reparo psicológico e antropológico que revela a nossa condição de finitude e fechamento.)

Terrível, sim, medir seja o que for pela desmesura… Como se todos os critérios se esfumassem. Esta dos critérios põe uma questão delicada – o bem e o mal são posteriores a Deus e à Criação… Derivam ou constituem-se num segundo momento…

Abençoados os puros de coração…
Tudo é permitido, mas nem tudo edifica – nem tudo nos configura a existência para uma relação directa com o divino…
O critério da desmesura… zona vermelha! ;)

Abração.

1:41 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Words, words, words… But to strike right in the heart of life… Yes, every madness has its methods…

1:43 da tarde  
Blogger Goldmundo said...

"ma rage d'aimer donne sur la mort comme une fenêtre sur la cour". Era esta a frase do Bataille (estás lembrado da conversa? :)), e não sei porquê volto a lembrar-me dela aqui.

2:54 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Manel.

Pois, foi um momento quaresmático proporcionado pelo blog-Olimpo... Mudaram-me o servidor (eh eh eh, andam muito cristológicos, estes deuses do blog-Olimpo...)

Abraço.

3:27 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Mestre Gold, se lembro da conversa… O acrescento da raiva… Abrir-se para a morte… É curioso, tendemos a fechar-nos – ou a ver a morte como um fecho, uma restrição e negação da vida… A raiva de amar… todo o momento de amor é sede… Amar para lá de qualquer momento de amor, rasgar-se e rasgar… Agora vejo a frase da minha infância como a morte espreitando-me do pátio para dentro da casa… Á janela, mas do lado de fora… Raio do Bataille… :)

3:38 da tarde  
Blogger Caio Kaiel said...

Olá Vitor...

Eclesiastes 1: 12 - 18.
"Eu, o pregador, fui rei sobre Israel em Jerusalém. E apliquei o meu coração a inquirir e a investigar com sabedoria a respeito de tudo quanto se faz debaixo do céu; essa enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens para nela se exercitarem. Atentei para todas as obras que se e fazem debaixo do sol; e eis que tudo era vaidade e desejo vão. O que é torto não se pode endireitar; o que falta não se pode enumerar. Falei comigo mesmo, dizendo: Eis que eu me engrandeci, e sobrepujei em sabedoria a todos os que houve antes de mim em Jerusalém; na verdade, tenho tido larga experiência da sabedoria e do conhecimento. E apliquei o coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras; e vim a saber que também isso era desejo vão. Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta o conhecimento aumenta a tristeza".

Deus te abençoe.

8:33 da tarde  
Blogger Em contra-corrente said...

Já não podemos dizer que somos humildes... somos logo rotulados de vaidosos.
Que vida!!!

8:46 da tarde  
Blogger Ver para crer said...

Humilde ou não aqui te deixo um abraço.

8:47 da tarde  
Blogger Vilma said...

Humildade é algo que quando dizemos que a temos...já a perdemos! :)) Estamos todos feitos...! heheheh

9:52 da tarde  
Blogger Eduardo Tetera said...

Em cheio! Bato palmas!
A humildade, é definitivamente uma forma de vaidade...
Comoi disse aí, o amigo Jorge, muito pertinente.

3:08 da manhã  
Blogger /me said...

A humildade, para mim, é auto-conhecimento. Não a encaro pelo prisma negativo, a humildade não a vejo como humilhação. Pelo contrário, uma pessoa humilde conhece as suas capacidades. Não se exulta nem se humilha. É o aceitamento da verdade.

E, de facto, a humildade tem de ser não apenas uma virtude, mas (se calhar é consequência? ou será a mesma coisa que uma virtude) a melhor forma de sermos felizes e vivermos bem.
Se nos fazemos de coitadinhos, eximimo-nos das nossas responsabilidades.
Se somos arrogantes, o mundo nos ensinará o nosso lugar. :p

12:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Interessante:
Humildade tem como raíz húmus - terra, solo, chão.
Por sua vez, húmus tem uma certa relação de parentesco com homem: v.g. humano.
Já na língua hebraica, homem e terra eram palavras com uma raíz comum.
Será a humildade o sentimento e a revelação da terrenalidade? E será a vaidade uma fuga, talvez sublimação, da anterior condição? Como uma árvore, que parece querer escapar do chão para o vazio do ar... :o)

4:18 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Alô, Pescador.

;);)... e a Cruz, é a estonteante resposta.

Abraço, e muitas bençãos!

4:50 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Cara Em contra corrente.

Por vezes não é um rótulo, mas a dinâmica da própria pretensão (à humildade ou a outra coisa qualquer).
Realmente, que vida !!!:)

Um abraço.

4:51 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Ver para Crer.

:):):) Precisamente! Em cheio!

Abraço!

4:52 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Querida Vilma.

Nem é preciso dizê-la para perdê-la. Suspeito que basta pretendê-la... Eh eh eh, feitos estamos Sem Ele ;)

Beijos.

4:53 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Eduardo Martins.

Finitivamente! :)

Abraço.

4:56 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro /me.

Bem, sou forçado a forçar a barra… ;)

Parece-me que a humildade a que te referes é uma humildade de razão. Trata-se da consciência de finitude que todo o ente minimamente reflexivo quase de imediato se auto-apercebe como tal. Falta no entanto a sequente suspeita acerca da transparência do acesso que se tem a si próprio, visto que é a própria finitude que não garante veracidade de nenhuma das suas tomadas de consciência. Só a elisão dessa suspeita permite chamar verdade, aceite ou não, às apreensões de nós próprios que as nossas gentis tolas e vidas nos oferecem e possibilitam. Seja como for e mesmo assim, para um cristão, a alegoria da caverna é um conto para crianças. Não basta mudar o ponto de vista para dar-se uma adequação existencial ao divino.

No cristianismo, como em qualquer religião, é o ponto de vida que é chamado à mudança. O gesto de Clímaco não se reduz à expressão da sua finitude, mas indicia um exercício transfigurador, de supressão da larva para Deus fecundá-lo em borboleta. Ou então é uma disrupção neurótica. Seja como for, é uma reconfiguração existencial que constitui o seu sentido – e não uma estrita tomada de consciência de si. Esta é requerida, como é evidente (Ó larva, conhece-te a ti mesma:) mas afim de orientar a consciência para o plano da sua transfiguração – porventura até a partir da crise instaurada pela impossibilidade de se conhecer verdadeiramente a si mesma.

Para ser feliz e viver bem neste mundo e com este algo aprender – não penso que seja requerido cristianismo. Muito pelo contrário, até. Eu até aconselharia, para tais propósitos, um filosófico paganismo… ;) Que até pode ser conivente com o cristianismo, mas que por si só não chega a este.

Abraço.

5:12 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro anónimo penso que narigudo.

Huuum... muito certeiro.

Abraço.

PS quase despropositado ou propositado mas quase abusivo: ah ganda Raúl Brandão! Eh eh eh...

5:22 da tarde  
Blogger /me said...

Vítor, obrigado pela resposta, mas não percebi nada. :P

Eu esforcei-me! Mas os meus "humildes" conhecimentos não chegam lá. Era mesmo areia demais para a minha camioneta! Não pesquei NADA. :) :D

Ficamo-nos por um abraço? :D

(desculpa, mas não consigo impedir-me de rir da lição de humildade que me deste :P)

8:36 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro /me

Não sei o que é ficar-se por um abraço, mas abraço com certeza! ;)

Agora se não pescaste nada de nada do meu patati pototo (words words words…) é porque não tem peixe de teu alimento. Mas não creio que não percebas – mesmo que não aderindo ou compreendendo enquanto sentido – que no cristianismo se trata também duma violência a exercer sobre si próprio em vista a uma transfiguração. Muitos dos seus detractores percebem-no muito bem, e aliás hoje em dia, para se ter percepção do cristianismo, mais vale muitas vezes dirigir-se aos seus detractores do que àqueles que o tornam uma proposta natural e equilibrada, numa espécie de embelezamento espiritual da existência que deixa esta incólume nos seus fundamentos.

Porventura os meus modos de apropriação do cristianismo nada te digam… Mas é quase sempre bom rir… ;)

Abraço 2.

PS netroglodita: Que raio, o que é :D?... Eh eh eh destas linguagens é que eu pesco pouco…

12:39 da tarde  
Blogger /me said...

Ficarmo-nos por um abraço é a minha desistência bem disposta de entender o que escreveste atrás.

:D é uma carinha a sorrir. Tens de inclinar a cabeça 90 graus para a esquerda. Vais ver que os dois pontos são os olhos e a letra D é uma boca aberta, num sorriso.

:p é uma careta! Consegues ver? :D

3:50 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Ah, ok... Bem o :D realmente tem mais boca que o :)... E vê-se o esgar do P... Mas agora me lembro que já me tinham dito que o P era um menino traquinas com a língua de fora... Eh eh eh...

E claro que não somos chamados a entender o que não nos interpela...

4:03 da tarde  
Blogger Goldmundo said...

Só para voltar ao Clímaco (?), há alguma coisa na ideia de "último" que não deixa de estar associada ao facto de que o último é, visto do outro lado, o primeiro.

Não sei se a humildade não é estar no lugar em que calhou estar, apenas. Mesmo que esse lugar seja o primeiro.

Já agora: quando morria na Áustria um Imperador Habsburgo, o corpo era, depois da missa rezada no palácio, levado por um túnel até a uma cripta guardada por Frades Capuchinhos. À entrada da cripta uma porta pesada, fechada. O cortejo que carregava o corpo do imperador morto era deslumbrante de riqueza e pompa. À frente, um Duque ou um Príncipe faziam de Mestre de Cerimónias.

O Mestre de cerimónias batia três vezes na porta e um frade perguntava, do outro lado, "quem vem?".

"Sua Imperial Majestade Francisco (ou José), Imperador do Sacro Império Romano, Rei de Jerusalém, Rei da Hungria, Rei da Boémia..." e eram desfiados os seus duzentos títulos.

"não sei quem seja", era a resposta.

Um silêncio grande e três pancadas.

"quem vem lá?"

"Francisco de Habsburgo"

"não sei"

De novo, tudo. "quem vem"?

"um pobre pecador que morreu"

"entra".

9:06 da tarde  
Blogger CristalizArte said...

Sem me atrever a continuar esta discussão... digo só que gostei muito de ler e aprender mais um pouco sobre humildade! Obrigado! Fica o abraço,

AVC

12:20 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Irmã Ribeira.

A dos primeiros e dos últimos, é mesmo para dar cabo da cabeça à malta. Porque curto-circuita-se imediatamente. Só se inverte uma vez a prioridade?

Mas faz algum sentido não ser nada, ser não-Deus, perante Deus – o rei ou o vagabundo frente à morte, pois. Mas o olhar que Deus nos devolve, revela-nos na inteireza. Quem guardar a sua vida etc

Diz-se... Não se sabe muito bem a que é que corresponde, quero dizer eu... ;)

Abraço.

11:22 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Pensar Cristo.

Se fôr mesmo e estritamente por falta de atrevimento... não se coíba!

Obrigado também, e um abraço.

11:32 da manhã  
Blogger Goldmundo said...

Descobri que o Clímaco é o santo padroeiro do dia dos meus anos.

Não há coincidências.

7:15 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Mestre Gold.

Bolas. É terrível é, a coincidência ;) entre o caos e a ordem. E tenho em crer que sempre presente a actuante, e nós sem a ver.

Um grande abraço.

12:52 da tarde  

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