sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Peregrinos

É lixado este professor hebreu. Eu bem sei que muitos, e terrivelmente encartados de história e exegese e ciências diversas, sabem perfeitamente que este é um professor que estudou na grécia e em roma e no oriente, mas o velho hebreu está-se nas tintas para isso. O que ele fez a vida toda, senão rezar. E concentrar-se na incompreensibilidade que se esconde em qualquer texto, palavra a palavra, mesmo no de sentido mais claro. Qual o sentido do próprio acto de dizer, de dizer seja o que for. Tentem lá responder sim, mas não à pergunta, seja ela qual for, tentem sim responder ao porquê de se perguntar, seja pelo que for. Foi o que o velho hebreu fez nos seus tempos livres, fora da oração - ou melhor, em conjunto com esta. Se neste momento lhe dissermos que ele visitou a áustria ou a inglaterra, dir-nos-á: Ainda não compreendeste o que está em jogo.

O ácido que corrói o mundo e o tempo e abre a vida ao que há quando não há mundo nem tempo, é uma bebida típica e exclusiva da terra prometida a Abraão, e daí se derramou para roma e grécia e oriente e áustria e inglaterra, e aí mesmo onde estás se continua a derramar sobre ti em toda a tua vida. Conta uma história estranha, o avô hebreu, está-se nas tintas para a história e para a exegese e para todo o saber que pretenda deter em si o seu sentido. Dorme nas traseiras de todos os lugares, e ao contrário do que possa parecer a um olhar mais imediato, a sua vida é uma permanente festa. A própria lepra é para ele motivo de alegria, não por si evidentemente e como referido.

É ele que aponta para o sentido dos tempos, porque o ama muito antes de este sequer se entrever.

E isto eu tenho que fazer diz o discípulo, ainda bastante assustado, porque é-lhe requerido que não fique nas traseiras mas que siga viagem lugar a lugar como quem não pertença a nenhum, nem sequer às traseiras de algum.

Anda, pega nas tuas coisas, no que conseguires daquilo que precisas e daquilo que amas, vá, desanda, eu estarei sempre aqui. E o discípulo sem identidade nem lugar segue viagem, tão só como aquele a quem Deus não se mostra senão na hora da sua própria morte, do discípulo, que sabe que terá de O buscar na oração, na beleza escondida no rosto do mundo, no lume secreto do medo - e no vazio de sentido de todos os lugares ele sabe que terá de O buscar sem contudo o encontrar.

E quem sabe se lhe vem à cabeça que o velho hebreu afinal não está nas traseiras, está um pouco confuso, o discípulo, quem sabe se de súbito ou gradualmente começa o discípulo a pensar saber que não há traseiras e talvez nem sequer hajam lugares. E que sem primeiro e de algum modo ter havido traseiras e lugares, ele não teria confusamente percebido que talvez nenhum destes afinal há, e que a pergunta é outra. A mesma. Desde sempre. A que não se sabe se alguém perguntou, e que no entanto já foi respondida.

7 Comments:

Blogger maria said...

:)

E beijos

12:23 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

interessante o teu artigo. :)
encontrei um blog novo e recomendo: www.toquesdedeus.blogspot.com

12:35 da tarde  
Blogger Goldmundo said...

...

às vezes, o que dizes chama os anjos.

10:21 da tarde  
Blogger /me said...

Eu fico sempre pasmado, sem saber como comentar!

10:59 da manhã  
Blogger Pe.T.C. said...

Interessante

11:29 da manhã  
Blogger Davide Vidal said...

vou ter de digerir isto... ainda estou atordoado...

2:06 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caros.

Bem, vocês não me assustem - sobretudo tu, ó mestre da ribeira ;)

E lembro-me: que o medo te acompanhe, a cada mínimo gesto, a cada pequena palavra - porque tudo o que fazes ou dizes, na verdade, não o poderás apagar. E por vezes, não há mais temível forma de retenção do que o esquecimento, ou o desprezo pelas infimidades (será que esta palavra existe? :)

Abraços fortes.

6:41 da tarde  

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