segunda-feira, dezembro 15, 2008

Fazei o mar deflagrar nos rios, e não esboroar as suas margens

- Você é muito ecuménico, disse-lhe a pastora com o seu eclodido sorriso que tanto o contaminava, acompanhando-o com o seu também habitual gesto de braços que lhe fazia estalar a capa e dava a impressão que abraçando o ar, como que abarcava o mundo inteiro num anelo de amor e comunhão.

Depois riu-se e bateu-lhe carinhosamente na coxa, sentados que estavam lado a lado na assembleia vazia, enquanto ele sorria não apenas perante ela, mas perante aquela palavra cujo significado desconhecia, e que lhe despoletara imagens de campos e cavaleiros em contenda por fluxos contidos de ecus e poder, patacas e colonizações.

- Que coisa é essa? perguntou ele com um sorriso quase riso, Algum conceito protestante que desconheço?

Ela quedou-se olhando-o num pequeno estarrecimento, talvez pelas largas conversas teológicas e bíblicas já ocorridas, ou por ele ser um católico que já há quase dois meses era presença certa nas suas celebrações dominicais e outros convívios, partilhas e serviços.

- Mas você vem donde? exclamou, De marte? brincadeira que rimava de facto com a presença dele, aparecido sem mais naquele subúrbio laranjeiro, num quarto alugado como que sem motivo e por acaso. Ainda nunca calhara terem conversas mais biográficas, o que naquele momento também não lhe pareceu oportuno, e com novo abraço aéreo e global continuou Mais ou menos, e riu, Historicamente foi iniciado por protestantes. Ecumenismo é a relação entre as igrejas cristãs, com vista a uma possível unidade.

Ele estremeceu. Ah, havia isso? Interessante, comentou, vou-me informar, e conseguiu facilmente, dada a delicadeza dela, desviar a conversa para outros assuntos e decisões. Porque sabia, isso já percebera, que a unidade era uma categoria extremamente perigosa nas suas efectivações, orientação de comunhões abertas assim como de massificações alienantes, de diálogos na mutualidade assim como de manipulações despóticas, tal como o abraço de Jessica, a pastora, era de amor e alegria, mas o mesmo gesto noutro modo era a acção mais costumeira de estrangular o outro até à morte de ambos.

Como tantas vezes, a associação livre que lhe ocorrera, com os cavaleiros e suas espadas de sangue e domínio, rimava com os conteúdos analíticos da reflexão.

E naquela mesma noite, orou por unidades amorosas que fecundassem o mundo de supresas e destemores, pétalas de anjos que caíssem no rosto da humanidade raivosa.

Não sabemos a que horas adormeceu, nem o que leu ou não leu antes, mas uma coisa era certa: ele iria informar-se.

4 Comments:

Blogger Gotik Raal said...

Vítor,

Este teu texto não comento agora, não me arrisco; sem ser coisa de medos, claro, que não o de falar só pelo som das palavras. Tenho que dormir, acordar, reler. Algo nele é maior do que os opostos.
Mas trouxe-me ecos de sonhos antigos que vivi pelas montanhas da Bulgária, das vozes de sonho dos anjos. E da imaginação à rédea solta.

Mais um abraço,
Gotik Raal

12:09 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

sim, a fé (maior do que os opostos)

mas é perigoso, claro, como será expresso em continuação; porque essa abrangência maior não pode anular os opostos mas até revelá-los num sentido maior do que a estrita oposição.

outro abraço, Gotik (ou o mesmo :)

6:45 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

olá, José de Portugal, e a propósito de (re)nascimentos: bom Natal e força para as suas lutas

6:50 da tarde  
Blogger Gotik Raal said...

Olá Vítor,

Ah, fico à espera dessa continuação, então? E de todas as outras que serão de vir no novo ano, que te desejo especial.

Um muito Feliz Natal, e também um Santo Natal - pois sei que o vives assim, como eu.
Abraço!

Gotik Raal

7:30 da tarde  

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