Silêncio, maior que

para a Ana

O mundo, pois, é sempre tão pequeno, disse ela. Qualquer cantiga o contém, qualquer pequena toada de amor e desespero. O mais pequeno frémito o carrega inteiro, duma só vez, disse ela. E seguia o seu caminho, queimando mentiras à chuva, cada passo seu maior que qualquer caminho, claro, os pequenos fogos que hipnotizam as serpentes e abrem veios na terra, essas coisas. Há um tempo para tudo, pensou ele, e outro onde tudo cabe, até a própria morte, é certo.

Tantos caminhos que em mim se trilharam e me são, tanto gelo e estilhaço, tanto anseio, pensou ele, e a cobardia maior é disfarçá-los de certeza, sim, pensou ele, afinal só o saber incerto é lúcido e firme, só esse afinal sabe interrogar e receber a consequência, abrir-se à verdade, pensou ele.

Eram as mãos que se encontravam, os olhos que se fundiam, como poderiam cada qual dizê-lo um sem o outro, como poderiam amar-se. Há dois silêncios no coração do mundo, disse ela, o da plenitude, e o dos destroços, e ambos se separam e reúnem em nós. Tanto cuidado teremos de ter, meu amor, tanta atenção e vigília.

E naquele momento de carne viva ele soube, com toda a incerteza dos dias ele soube, que dos passos dela não iria desviar-se mais, nunca mais, até ao fim dos tempos, à dissolução das trevas, naquele momento ele soube, para sempre ele soube.