Ribeira, negra há um tempo
Para o mestre sem guarda que no outro de si se resguarda; para o poeta a quem deus dá a clareza da obscuridade; em memória do actor que ardeu no quarto carax; e para que se relembre, que as únicas coisas que contam, são as que nos impedem de fazer coisas úteis o resto do dia.
Como que dá impressão que por trás de todas as coisas, há um abismo. A estrita apresentação duma cadeira na varanda, tal toda assim brotando do nada, porque não é eterna - quero dizer, aquele momento, não esteve sempre ali. E por extensão, nós próprios, imersos naquilo que não somos, e que é vasto como o silêncio em que se ouvem os sons, nós próprios aqui com os nossos pequenos momentos que se sucedem extinguindo-se em réstias de imaginação.
E, um pouco estranhamente, é como se intuíssemos que nesse nada de nós, a que não temos contacto nem acesso, pode haver algo, e que não é como as coisas, as nossas coisas - pois que é precisamente esse o motivo da sua inacessibilidade e ausência. Ainda não é o divino, mas tão só um estertor provocado pelo conceito vazio da ausência de nós próprios, e que nos é imposto pressupor, sabe-se lá por que obscura intuição. Algo de irrepresentável, tal como a cadeira quando não está lá ninguém para olhá-la. Como é que é uma cadeira não vista? Pois é o halo escuro da cadeira não vista que a envolve, à cadeira vista, tal capa de negação, que nos interroga e assusta e abala. É por isso que as cadeiras gritam, e certos pintores as pintam.
Enfim, o terror deve vir logo ao primeiro raio de presença. Muito antes da apresentação das coisas. Só connosco próprios, sem barriga de mãe nem mãos amigas. Um solipsismo estridente de não solipsismo, sabendo do mais fundo do tempo e antes de todas as coisas assim como das nossas próprias entranhas - que há algo lá fora, por trás das sereias e dos horizontes estilhaçados.
É duma estranha alegria, a beleza da vida. Das que exigem vigor e coragem de criança moribunda, ou por nascer.
Lembro-me dum amigo meu, que me dizia há tempos que para se chegar a algum lado, era preciso uma decidida obsessão - como quando se ama. E lembro-me também do Poe, quando lhe fizeram constatar que os seus contos tinham ecos do romantismo alemão, e ele pensativamente replicando: Pois, mas o terror não nos vem da Alemanha, vem-nos da alma. É um bom aliado, este Poe, como diria o poeta, que ora acaba de confirmar que a faca, não corta o fogo, não me corta o sangue escrito, não corta a água, e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
E é claro que os anjos são terríveis. (E também certos pintores os pintam, e certos poetas os cantam.) E claro também que estas parcialidades tão pouco exprimem do tanto para que apontam. Porque quando as coisas se apresentam nas suas sombras brilhantes, na vida profunda, o que dizer? Não sabemos se significam o que nos significa, e esse é o segredo delas, e nosso; ou digamos que lá no fundo, lá no escuro, até sabemos.
Como que dá impressão que por trás de todas as coisas, há um abismo. A estrita apresentação duma cadeira na varanda, tal toda assim brotando do nada, porque não é eterna - quero dizer, aquele momento, não esteve sempre ali. E por extensão, nós próprios, imersos naquilo que não somos, e que é vasto como o silêncio em que se ouvem os sons, nós próprios aqui com os nossos pequenos momentos que se sucedem extinguindo-se em réstias de imaginação.
E, um pouco estranhamente, é como se intuíssemos que nesse nada de nós, a que não temos contacto nem acesso, pode haver algo, e que não é como as coisas, as nossas coisas - pois que é precisamente esse o motivo da sua inacessibilidade e ausência. Ainda não é o divino, mas tão só um estertor provocado pelo conceito vazio da ausência de nós próprios, e que nos é imposto pressupor, sabe-se lá por que obscura intuição. Algo de irrepresentável, tal como a cadeira quando não está lá ninguém para olhá-la. Como é que é uma cadeira não vista? Pois é o halo escuro da cadeira não vista que a envolve, à cadeira vista, tal capa de negação, que nos interroga e assusta e abala. É por isso que as cadeiras gritam, e certos pintores as pintam.
Enfim, o terror deve vir logo ao primeiro raio de presença. Muito antes da apresentação das coisas. Só connosco próprios, sem barriga de mãe nem mãos amigas. Um solipsismo estridente de não solipsismo, sabendo do mais fundo do tempo e antes de todas as coisas assim como das nossas próprias entranhas - que há algo lá fora, por trás das sereias e dos horizontes estilhaçados.
É duma estranha alegria, a beleza da vida. Das que exigem vigor e coragem de criança moribunda, ou por nascer.
Lembro-me dum amigo meu, que me dizia há tempos que para se chegar a algum lado, era preciso uma decidida obsessão - como quando se ama. E lembro-me também do Poe, quando lhe fizeram constatar que os seus contos tinham ecos do romantismo alemão, e ele pensativamente replicando: Pois, mas o terror não nos vem da Alemanha, vem-nos da alma. É um bom aliado, este Poe, como diria o poeta, que ora acaba de confirmar que a faca, não corta o fogo, não me corta o sangue escrito, não corta a água, e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
E é claro que os anjos são terríveis. (E também certos pintores os pintam, e certos poetas os cantam.) E claro também que estas parcialidades tão pouco exprimem do tanto para que apontam. Porque quando as coisas se apresentam nas suas sombras brilhantes, na vida profunda, o que dizer? Não sabemos se significam o que nos significa, e esse é o segredo delas, e nosso; ou digamos que lá no fundo, lá no escuro, até sabemos.
2 Comments:
Insiste... a ver se o barqueiro volta a agitar remos na Ribeira Negra... ;)
Abraço!
pois. mas o silêncio tanto importa também :) abraço, klatuu
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