segunda-feira, novembro 19, 2007

Jubilai

Ó omnipresente desejo criador, transborda os nossos apertados corações, e exulta nas nossas amedrontadas vozes e acções.

Que o júbilo do amor sem confins, todo horizonte e trajecto, deflagre nos nossos olhos. Que o seu fogo erga as nossas mãos e arrebate os nossos passos na queda e no caminho. Que o medo seja confiança sem deixar de ser susto.

Alegria clama na terra e no céu.

Pelo encontro na diferença, quão caídos ou orgulhosos, possamos de rosto em rosto acender o que tudo une.

Pelo encontro na afinidade, quão cegos de ansiedade ou engano, possamos acender de rosto em rosto o que tudo distingue sem separar.

Alegria clama na terra e no céu.

Para que todo o encontro ou embate seja escuta e procura, acolhimento e descoberta, ó deus da criação e da vida, traz a paz combativa às nossas almas, dá-nos a força amorosa para alentar e dar espaço ao que for da tua vontade seja, na diferença e confusão da nossa. Abre os nossos olhos à estranheza do outro, à beleza viva que estremece em tudo o que há e do teu amor criador provém, das plantas aos anjos e à poeira das estrelas e de todas as pessoas que à nossa vida assomam. Não nos deixes apertar tudo o que a nós vem na pequenez do nosso ego quando se fecha e apenas a si se ouve, ó deus da palavra que escuta e dá voz ao mais perdido de nós. Ouve esta voz que limitada te apela, insuficiente te clama, para que o júbilo do teu amor nos faça estremecer num cântico de louvor e ternura.

Na concórdia e na dissonância, sobre os tectos e os abismos, no fundo de todos os oceanos, no limite de todos os mundos, faz-nos voz que dá vida, acto que alimenta, corpo que abraça. E não nos deixes cair no poço seco de nós próprios, onde a própria alegria se torna melancolia e amargura, e o amor mágoa e ressentimento.

E que o teu júbilo criador seja em nós, a cada dia que passa e morre, a vida que tudo retém e devolve, no mistério do teu amor que se oculta na evidência do mundo, no estertor que permanece e estremece no escoamento de todas as coisas.

E que assim seja, ó nosso deus. Acende o teu amor em tudo o que somos e estamos.

Ámen.

12 Comments:

Blogger Moyle said...

O Moyle é altamente suspeito nestas matérias, contudo não se vai coibir de dizer que ao ler este belo cântico (se não é um cântico o ritmo poderia facilmente tornar este texto num) a imagem que lhe martelou mais fortemente na cabeça foi a do chapéu do Rui Costa contra a Irlanda em pleno estádio da Luz (lá está) há já uma boa dezena de anos numa noite de tempestade.
Glória Glória Hossanas ao Salvador Glória

4:23 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Livros-nos nochinchinhôr do teatro da dor. E como dizer isto ecumenicamente?
livre-nos nochichinhor dos engenhos que se arrimam aos poços para lhes percebermos os fundos
E dos olhos que julgam que vêem. Que apenas vêem
Ó camarada, olha aqui os meus braços mas de costas

10:27 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Moyle

Huuuum… recolho a tempestade.

Casa pia, futebol… os enfoques de importância temática que o poder disseminado induz e projecta. Desconfio. Outras configurações há.

(A fé não é uma fezada: não se mede pelos golos.)

Gosto das paisagens da Irlanda, por vezes a sua música tradicional aborrece-me. Tenho saudades duma amiga que agora lá se encontra. E sim, por vezes, sou o rim que apodrece no bolso do senhor Bloom, enquanto este pensa que se festeja; outras vezes, sou a cerveja que ele bebe, a puta que o pisa ou o poeta que o levanta do chão e o conduz à melancolia. Há manhãs temíveis.

Um abraço

11:54 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Olá, Rosa

Quase tudo é juízo e pretensão ilusória; tenho impressão que trazemos sempre o teatro, ou se preferir, a duplicação de tudo o que pode aparecer ou ser dito. A rosa e a cantiga acompanham sempre a dor ou o amor. Mesmo quando não (há rosas e cantigas subjacentes, sobretudo quando negadas).

Há quem prefira evitar poços, sim; resta saber se são todos evitáveis, e também, se nos são próprios ou não.

Um abraço

11:58 da manhã  
Blogger Moyle said...

Já pus tantas máscaras sobre a máscara primeva, a máscara matricial, genesíaca, que não conseguiria viver sem elas nem encontraria já a face, se é que algumas vez tive uma. Não será assim também com o cristianismo? Não será uma tentativa desesperada de manter a máscara com medo do que sucederá se o Homem for confrontado pela primeira vez pela sua própria face, liberta da máscara de Deus que se impôs primevamente? Mas nem se pretende convencer alguém do contrário nem se está aqui disponível para ser convencido. As coisas são como são e não são de outra forma porque as escolhas foram feitas antes.
Gostaria de ir à Irlanda um dia.

4:48 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Bem, aqui depende do que quer dizer com a palavra “deus”. Se “deus” for um ente; ou aquilo que traz a si e ao ser todos os entes. No primeiro caso, ele será uma parcialidade qualquer, e nesse sentido poderá sempre constituir falsidade; no segundo, o encontro com tal pressupõe a revelação do sentido de tudo o que há em acto e na possibilidade, incluindo o próprio Homem, e assim corresponderá precisamente ao “confronto com a própria face”. Deus assim visado, é absoluta desmascaração, revelação. Quanto ao cristianismo, não é evidentemente o único a visar tal Deus. A minha própria adesão ao cristianismo é evidentemente cultural, e também caracteriológica. Isto, dentro daquilo que se pode falar ;)

Não haver Deus é também uma possibilidade (desta não tenho bem a certeza, mas pronto, agora tenho de ir tratar de outros assuntos, no fundo tudo radica na compreensão que se tem dessa estapafúrdia pequena palavra).

Borrifemo-nos para essa do querer convencer o outro, prefiro dialogar.

PS: Todo o deus com máscara é um ídolo, ou se preferir, uma fixação dum momento de relação e revelação que exclui outros e assim se auto-anula ou esvazia; se não se fixar nem fechar o rosto da máscara, poderá ser ícone.

PS 2: Quanto à Irlanda, os bilhetes de avião andam cada vez mais baratos :) Espreite aqui:

http://www.easyjet.com/PT/Reservar/index.asp

5:38 da tarde  
Blogger ROGÉRIO B. FERREIRA said...

Oi ,
legal o seu Blog.
Temos um Blog coletivo.
Quem sabe vc visita nossa casa!
Vai aí dois textos meus: acho que o problema hoje é que muitos já tiveram suas decepções com líderes evangélicos . Eu, por exemplo, senti na pele quando enfrentei dificuldades com Vistos, grana e missões.
Abraços,
Roger

5:17 da tarde  
Blogger Moyle said...

«corresponderá precisamente ao “confronto com a própria face”»

ao confrontar-se com a própria face o Homem verá... o Homem mas, a continuar nisto, limitamo-nos a andar à volta numa rotunda sem qualquer ramal de saída. Agradecido pela informação...

12:16 da manhã  
Blogger Vítor Mácula said...

Alô, Roger

A decepção religiosa, mesmo na sua tristeza e perca, remete também para um achaque de lucidez. A mim dá-me geralmente duas reacções: o enfrentamento comigo próprio, visto que de mim e em mim se deram as condições de desorientação e ilusão (tomei, para ficar-me no seu exemplo, um porta-voz humano como senhor daquilo que o deveria inspirar e habitar) e o confronto com o facto de não haver revelação total alguma a não ser em Cristo, em Deus. Que possamos ter um relance de tal num momento amoroso, poético, ético, religioso, científico, ou qualquer destas nomenclaturas de humana classificação da vida e dos seus pontos de ocorrência, não impede que eu não deva estar atento à tendência para fixar e fechar esse relance naquilo em que ele fulgurou (do rosto amado ao estertor de sentido ou justiça). Novamente a idolatria, pois, que esta não trata apenas de bezerros de ouro ;)

Um abraço

12:38 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Não me exprimi bem, Moyle, mas eu não vivo bem a coisa assim como diz, no sentido de não haver mediação entre o estar totalmente na verdade de mim e o absoluto afastamento. Vivo mais a coisa como uma miopia do que como uma cegueira. Isto é, no anseio que me empurra, há já toscos indícios daquilo para o qual se move, e que permitem uma orientação tosca no caminho. “Não me procurarias se, de algum modo, não me tivesses já encontrado” atribuía o amigo Pascal a Deus. Para ser mais rigoroso, a verdade de mim, é a construção gradual desse anseio, desse ir-a-caminho, e nunca é dada totalmente à partida. Sou a larva que sonha a sua borboleta latente, e a convergência desse sonho com o real é simultaneamente acção minha e de Deus, ou se preferir, é uma dinâmica entre a graça e a natureza. A saída não é dada como saída: pare-se de andar às voltas e pegue-se na picareta ;)

12:45 da tarde  
Blogger Moyle said...

O Moyle não acreditas em Deus, mas sabe que Deus acredita nele:)
Até ao próximo post

3:05 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Ah ah ah!

Até, Moyle

3:14 da tarde  

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