Disriposte (cont.)
Tais convergências e divergências não elidem nem se confundem com uma qualquer adversidade vital, mas até a intensificam e definem, fora das dicotomias simplistas e falsamente resolutivas a que escapa, precisamente, a obscura e densa adversidade vital. Toda a adversidade é um cruzamento de convergências e divergências, que possibilitam e se constituem na dança e no combate, no encontro e na separação; o próprio terreno onde a vida e a morte se conjugam em tenazes interrogações. “Se faço guerra ao cristianismo, de tal tenho direito unicamente porque nada vivi deste lado de desgosto ou tristeza – pelo contrário, os seres mais dignos de estima que conheço foram cristãos autênticos, e de todo não guardo rancor aos indivíduos por aquilo que é fatalidade milenar. Os meus próprios antepassados eram eclesiásticos protestantes: não tivesse eu recebido deles um sentido elevado e puro, não vejo de onde me viria o direito de fazer guerra ao cristianismo. Em ocorrência, a minha fórmula: o próprio anticristão é a lógica necessária na evolução de um verdadeiro cristão, em mim o cristianismo ultrapassa-se a si mesmo.” (Nietzsche, Fragmentos póstumos, KGW, VIII) O estatuto e sentido de tais superações ou interpelações, os cristãos o vão vivendo e contra-vivendo nas suas instanciações diversas; algumas, tais como a crítica ao fixismo ideológico, condu-los à intensificação da concreção divina e suas tensões temporais e históricas; outras acutilam a recusa em fechar a temporalidade em si mesma, recusando o fogo da terra e do tempo enquanto últimas instâncias: o eterno retorno não corresponde ao retorno do eterno, embora na sua mútua exclusão se esclareçam e confrontem. Para um cristão, o último acto está sempre por ocorrer, e a temporalidade não resolve a sua perca retornando a si mesma; e é esta incapacidade estrutural e dinâmica de se refazer, que pode ou não abrir para algo de inesgotável que advém na própria perca.
Nada disto significa que os cristãos sejam uma divina configuração histórica, como é evidente, eles que se admitem em queda e confusão na sua origem mesma; a história de Roma, assim como a do cristianismo e da Igreja, é como todo o trecho de humanidade: o terror vivido no estertor entre beleza e maldade, pânico e bondade; e com mais tensões entre estes do que em inúmeros mais serenos lugares que não enfrentam o abismo. E aqui se cruza a história de Roma, de quem se diz com muita razão: locuta, causa infinita. Roma, tão mais do que cristã; e tanto menos.
Roma, a loba; Roma, a mãe; Roma outrora e por outro lado; Roma a que ganhou Tróia, e por esta se venceu; Roma auto-proclamando-se de nega-ociante, em contraponto ao ócio da contemplação filosófica; e aqui converge o martelo do tio Friedrich, e também diverge: a música é tudo menos negocial e imperial, mesmo quando operática; e o ócio tem segredos activos que quebra os arcos e crava setas no dorso do inumano; e também converge o tio Emil, em quem a suspensão céptica não é apenas epistemológica mas um grito ontológico: não crer que hajam coisas, não aderir à evidência da existência, incluindo a de si próprio, dá-se precisamente adentro de si e da vida, e em máxima violência ; é nesse primeiro momento do próprio haver bruto de si e do resto, que o tio Emil executa com toda a ferocidade a actividade concreta da negação. “Os únicos seres com os quais verdadeiramente me entendi, não deixaram obras. Para sua felicidade ou infelicidade não eram escritores. Eram algo de mais: mestres do desgosto. Um deles tinha estudado teologia e destinava-se a ser pastor, mas nunca chegou a sê-lo. Nunca, nunca esquecerei a conversa vertiginosa que tive com ele uma noite inteira, há cinquenta anos em Kronstadt, na Transilvânia. Depois desta conversa, parecia-me tão necessário viver como morrer. Se não se tem em si a paixão do insolúvel, não se pode representar os excessos de que a negação é capaz, a impiedosa lucidez da negação.” (Cioran, Conversa com Fritz. J. Raddatz) Não se trata de niilismo temático, de ter uma tese negativa acerca da vida, de si ou do real: trata-se de agir a nadificação imanente ao tempo, a sua actividade fundamental e originária adentro da primeira e possível coisa que haja; seja o que for; e aqui entra-se no demoníaco, essa antecâmara da fé; e assim, também aqui converge e diverge o cristianismo.
Poderá parecer com esta conversa toda que este discurso se quer filosófico; mas não o é de todo, nada aliás lhe seria mais estranho. Digamos que o dito vai dito, mas em modos que não lhe correspondem directamente, talvez para despistar ilusões e juízos de tribunal. Não se dança nas caves, dizia-se em Paris há umas décadas ou séculos; e como sabem os que não sabem, também de todo não se tratava de política, quer-se dizer, consenso algum era visado. Havia qualquer coisa que recusava todo o tipo de espera, ou o céu que finalmente lhes caíra em cima da cabeça; e assim voltamos sempre a Roma por ínvios e desvios sempre, como no ditado: Quem tem verbo vai a Roma; todos os caminhos etc; e essa pequena aldeia que na adversidade resiste, na banda desenhada em que os aldeões dizem: Estes romanos são loucos; loucos aquedutos, louco direito romano, louca pax; e o enorme boi mudo de Aquino mais à frente, depois de César com César. São infindáveis os ínfimos pormenores que se entrecruzam estilhaçando de acontecimentos o horizonte romano, a sua história eterna.
Já vão longas estas breves notas, e o tempo para encurtá-las já passou. Como se costuma dizer nestas coisas: vamos falando; desde o início dos tempos aliás que vamos falando: as únicas conversas que valem são aquelas que não têm fim, e que ninguém sabe onde e quando começaram; e ganha-se também assim uma certa serenidade, um certo grau de respiração e movimento: é a própria noite que é a aliada da vigília, e os dias que se escoam são os mesmos que retêm o único e primeiro dia, a nocturna e inaugural manhã onde a primeira palavra rasgou o universo e disse: eis.
Um abraço.
Nada disto significa que os cristãos sejam uma divina configuração histórica, como é evidente, eles que se admitem em queda e confusão na sua origem mesma; a história de Roma, assim como a do cristianismo e da Igreja, é como todo o trecho de humanidade: o terror vivido no estertor entre beleza e maldade, pânico e bondade; e com mais tensões entre estes do que em inúmeros mais serenos lugares que não enfrentam o abismo. E aqui se cruza a história de Roma, de quem se diz com muita razão: locuta, causa infinita. Roma, tão mais do que cristã; e tanto menos.
Roma, a loba; Roma, a mãe; Roma outrora e por outro lado; Roma a que ganhou Tróia, e por esta se venceu; Roma auto-proclamando-se de nega-ociante, em contraponto ao ócio da contemplação filosófica; e aqui converge o martelo do tio Friedrich, e também diverge: a música é tudo menos negocial e imperial, mesmo quando operática; e o ócio tem segredos activos que quebra os arcos e crava setas no dorso do inumano; e também converge o tio Emil, em quem a suspensão céptica não é apenas epistemológica mas um grito ontológico: não crer que hajam coisas, não aderir à evidência da existência, incluindo a de si próprio, dá-se precisamente adentro de si e da vida, e em máxima violência ; é nesse primeiro momento do próprio haver bruto de si e do resto, que o tio Emil executa com toda a ferocidade a actividade concreta da negação. “Os únicos seres com os quais verdadeiramente me entendi, não deixaram obras. Para sua felicidade ou infelicidade não eram escritores. Eram algo de mais: mestres do desgosto. Um deles tinha estudado teologia e destinava-se a ser pastor, mas nunca chegou a sê-lo. Nunca, nunca esquecerei a conversa vertiginosa que tive com ele uma noite inteira, há cinquenta anos em Kronstadt, na Transilvânia. Depois desta conversa, parecia-me tão necessário viver como morrer. Se não se tem em si a paixão do insolúvel, não se pode representar os excessos de que a negação é capaz, a impiedosa lucidez da negação.” (Cioran, Conversa com Fritz. J. Raddatz) Não se trata de niilismo temático, de ter uma tese negativa acerca da vida, de si ou do real: trata-se de agir a nadificação imanente ao tempo, a sua actividade fundamental e originária adentro da primeira e possível coisa que haja; seja o que for; e aqui entra-se no demoníaco, essa antecâmara da fé; e assim, também aqui converge e diverge o cristianismo.
Poderá parecer com esta conversa toda que este discurso se quer filosófico; mas não o é de todo, nada aliás lhe seria mais estranho. Digamos que o dito vai dito, mas em modos que não lhe correspondem directamente, talvez para despistar ilusões e juízos de tribunal. Não se dança nas caves, dizia-se em Paris há umas décadas ou séculos; e como sabem os que não sabem, também de todo não se tratava de política, quer-se dizer, consenso algum era visado. Havia qualquer coisa que recusava todo o tipo de espera, ou o céu que finalmente lhes caíra em cima da cabeça; e assim voltamos sempre a Roma por ínvios e desvios sempre, como no ditado: Quem tem verbo vai a Roma; todos os caminhos etc; e essa pequena aldeia que na adversidade resiste, na banda desenhada em que os aldeões dizem: Estes romanos são loucos; loucos aquedutos, louco direito romano, louca pax; e o enorme boi mudo de Aquino mais à frente, depois de César com César. São infindáveis os ínfimos pormenores que se entrecruzam estilhaçando de acontecimentos o horizonte romano, a sua história eterna.
Já vão longas estas breves notas, e o tempo para encurtá-las já passou. Como se costuma dizer nestas coisas: vamos falando; desde o início dos tempos aliás que vamos falando: as únicas conversas que valem são aquelas que não têm fim, e que ninguém sabe onde e quando começaram; e ganha-se também assim uma certa serenidade, um certo grau de respiração e movimento: é a própria noite que é a aliada da vigília, e os dias que se escoam são os mesmos que retêm o único e primeiro dia, a nocturna e inaugural manhã onde a primeira palavra rasgou o universo e disse: eis.
Um abraço.
2 Comments:
Olá meus queridos irmãos; A Paz de Cristo.
Estamos vivendo dias de angústia, conforme a bíblia tem nos mostrado. Nestes momentos difíceis só a palavra de Deus que é alimento nos fortalece.Como sempre digo: Aprendendo uns com os outros crescemos na graça e no conhecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Encontramos nestes blog's cristãos ,ferramentas para o nosso aprendisado.Parabéns pelo blog, muuito abençoador. Gostaria também de compartilhar com os irmãos o nosso Blog:
"Mensagem Edificante para Alma"
http://josiel-dias.blogspot.com/
Fiquem na Paz.
Josiel Dias
Cons. Missionário
Congregacional
Rio de Janeiro
a angústia, esse estertor entre a cegueira e a lucidez.
a que dias da intemporal angústia se refere, Josiel?
abraço
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