Disriposte
para Klatuu Niktos
A primeira coisa a ter aqui sob vigília, é o deslize em que o voo da águia se torna simulacro de si mesmo: o aviador, bêbedo de visão global, e numa síntese periférica em que contempla o vasto horizonte, doa a esta a sua vontade de verdade; e na sua idolatria da totalidade, mutila a visão das alturas, elidindo o pólo que nela produz consistência e realidade: os pormenores vivos, da brisa que faz tremer a flor da montanha aos do nariz do coelho que espreita fora da sua toca; e só a dinâmica entre ambos os pólos, o vasto horizonte e os ínfimos pormenores, permite que os voos picados sejam eficazes, e que as acções ou pensamentos toquem o magnetismo secreto da vida. O costume nestas coisas: a macrovisão sem microvisão não passa de um pé-coxinho que pretende vencer maratonas, e inversamente.
Vivemos hoje uma curiosa época cultural, em que os simulacros de sistematismo e de positivismo produzem doxa de conhecimento em cada qual, numa tendência de generalizada falsificação de sabedoria: da razão pura à economia de mercado, das obras literárias às engenharias, da física quântica ao sentido histórico – todos nos pretendemos informados e conectados, activos e analíticos, conscientes e participativos. Como é bem de se ver, tal só é possível em prévias formatações que se desconhecem a si mesmas: o pobre aviador, depois de abandonar a atempada e atenciosa visão de pormenor, já nem de horizontes vive, e orienta-se tão só pelo resumo de indicações de bordo que as diversas torres de controlo estabelecem; e é a confusão destas, que lhe dá uma ilusão de ainda lidar com os ventos e forças do mundo e da vida. Infelizmente, a maioria das indicações que recebe, constituem-se numa geografia alucinada e retida no conflito das torres. "As ondas, se pudessem pôr-se a reflectir, acreditariam que avançam, que têm uma finalidade, que progridem, que trabalham para o bem do oceano, e não deixariam de elaborar uma filosofia tão néscia quanto o seu zelo." (Cioran, Esquartejamento) Nesta e outras conturbadas marés é que se perdeu o velho adágio da sabedoria irónica: Há os que sabem, e os que não sabem; os que sabem, sabem que não sabem; e os que não sabem, pensam que sabem. Neste preciso momento, o tio Emil gargalha no seu túmulo vivo.
Não é aqui lugar para macrovisões nem microvisões, e muito menos para as faíscas mais ou menos fátuas entre ambas; mas tão só para breves indicações, que se pretendem sábias para uns, e néscias para os que pensam. Ninguém disse que era fácil despertar e descobrir que nem o sono e a morte ou o sonho, deixam de ser activos na sua ausência pulsante, e que se sonha acordado e se dorme com o presente. Aqui, é o tio Friedrich, que atravessado pela dor e pelo cansaço, caminha num enfrentar-se com destemor que se quer exultação pura; a tomada em riste da potência do próprio ser: a música, no sublime e no atroz; o pathos absolutamente sendo, o pathos do tempo vivo e mortífero; aqui rasgam-se violências tonitruantes com pequenos toques de melancolia ou raiva. Escutai, néscios e sábios, silêncio.
O centro mesmo do ímpeto martelado, é a recusa de tudo o que não cante ou danse o todo e próprio tempo dos acontecimentos em que acontecemos; a profusão trágica e eufórica dum pensamento que recusa toda a cristalização; trata-se dum pensamento que recusa ser duplicidade e sinal, que tal como a música se recusa à imagem e à representação fixas e separadas; e que se quer expresso directamente na sua própria vitalidade e actividade. Aqui reside um ponto nevrálgico, de difícil focagem: imbuídos de representações e figuras, os textos do tio Friedrich permitem legitimamente estabelecer uma imagem do mundo, da vida e do humano; e podem sempre explicar-se inconsistências com diversos malabarismos de contextualizações e interpretações; mas aqueles que pretendem fixar os dedos ígneos das suas palavras numa doutrina de julgamento em cristalizadas identificações, continuarão sempre a fazer rir o tio Emil; são aqueles aviadores tontos que se ufanam de ter sobrevoado e ultrapassado a cordilheira de Platão e de Kant, ou do transcendente e do contemplativo, mas a estes nem sequer chegaram.
E neste ímpeto vai o confronto com a cristandade: esta corresponde ao negativo, ponto por ponto, do tempo vivido, arremete o tio Friedrich, e a euforia trágica transmuta-se em quietude contemplativa, distância sem melancolia, desvitalização e despotencialização; o pensamento cristão corresponde a uma cristalização dogmática de conceitos e representações que pretendendo desvendar a vida, a substituem por um sonho quieto como a morte sem morte: a eternidade, esse impensável conceito temporal, é o seu rosto primeiro, e a oração a sua actividade fundante; pensamento, quer-se dizer – formas de vida; trata-se assim duma adversidade vital, e portanto total: contra o idealismo para os néscios. Mas o eterno enquanto rosto de Deus, não corresponde à intemporalidade da idealidade, seja à de um teorema seja à dos estertores da beleza, e muito menos às cristalizações da mente assustada; corresponde sim à interrogação: Onde isto tudo que desaparece irrevogavelmente? Pois o fiat da vida é o seu próprio decorrer; viver executa-se enquanto crescente aniquilação de si. E o eterno, precisamente, não trata aqui da retenção ou retorno do que há, mas da voz que fala no próprio não-haver; a fé não trata de preencher a negatividade temporal com o sonho da imortalidade, nem de dar forma imaginária às forças obscuras do ser e da vida: a fé trata de um diálogo limite com o nada, com o não-havendo da vida que se escoa, consciência funda da palavra orante, a que não cala o silêncio nem confunde o eco. Deus é a voz que fala no deserto do mundo, não porque negue este, mas porque é este mesmo que se nega a si próprio no seu próprio acontecer: o fogo da terra alimenta-se da sua própria combustão, e a sua eternidade é uma dor sem fim no abismo da negação; mas aquele que olha o vazio de frente, vai ao fim da vertigem do tempo, e escuta o Deus que se revela na impossibilidade da combustão se doar a si mesma: o sem-nome, o da peregrinação naufragada no murmúrio da incessante busca; este é um Deus que dança no fundo do próprio abismo, quando a corda ou o nosso porvir próprio se quebram ou largam; e é também um Deus que lança cordas e porvires, e que na sua humanidade caminha por cima do tempestuoso abismo, no centro mesmo da vertigem; e que diz que a mais pequena ternura, a mais pequena pedra da menos notória berma – são já vitória e fundação. Eis um Deus que dança, não a música da terra, nem a das esferas celestes ou das fúlguras ideias e paixões; são antes estas que a música do Deus dançam, em ponto e contraponto, ilhas e afundamentos. De que nos valeria a leveza, se não erguesse o peso do mundo? Escutai, néscios e sábios, silêncio.
4 Comments:
:)
Pode ser que seja desta, ou respondi? Tenho que ir consultar o oráculo...
Abraço!
ESTES DIAS – DESDE HOJE 6 – 5ª FEIRA – ATÉ 15 DE MAIO – SÁBADO – REZO PELAS SEGUINTES INTENÇÕES:
1 – ACÇÃO DE GRAÇAS POR TODOS BENEFÍCIOS ATÉ HOJE A MIM E A MEUS CONCEDIDOS EM TODA A MINHA VIDA ATÉ AO PRESENTE MOMENTO.
2 – POR MINHA SAÚDE DO CORPO E DO ESPÍRITO.
3 – POR MINHA COMPANHEIRA E POR TODOS MEUS FAMILIARES PRÓXIMOS DISTANTES VIVOS E IDOS.
4 – POR MARIA SANTÍSSIMA E POR TODAS AS INTENÇÕES SUAS E DE SEU IMACULADO CORAÇÃO.
5 – POR BENTO XVI A IGREJA E OS SACERDOTES.
6 – POR TODOS OS PECADORES E PELO MUNDO INTEIRO.
7 – POR PORTUGAL E SEUS GOVERNANTES.
FAÇO IGUALMENTE O PROPÓSITO DE FUMAR O MENOS QUE ME FOR POSSÍVEL E DE MODERAÇÃO NA COMIDA E NA BEBIDA.
http://joshuaquim7.blogspot.com/2010/05/mentira-ninguem-nos-papara.html
o eterno é um durante sem antes nem depois, diz o oráculo; peculiar liberdade, pensa o viandante ;)
abraço
assim "asceja" pois, caro Ângelo. um abraço
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