terça-feira, abril 11, 2006

Cântico de fé – para a madrinha

É a noite que surge com o anseio da pureza. As trevas recuam, as trevas que indistinguem a noite do dia, e o esplendor destes refulge na clareza.

São altas estas montanhas, e em intensidade abrem-se até ao abismo. Largos vales em que surgem infindas presenças. Onde a vida inteira se apresenta, e como que toda cabendo – nas tuas mãos e olhos e coração.

Esta fé é a mais intensa libertação que a estória de qualquer vida alguma vez pode entrever. Mediação alguma te tolhe, é Deus ele-próprio que se faz sempre possível e acessível. E que te revela tal como és perante ele – tal como és obscurecido e obnubilado, confuso e destroçado, uma opacidade entre ti e ti que te mostra que sem Deus ninguém se percebe como é e vive na verdade, ninguém se conhece.

E que o amor de Deus directamente te purifique, esta a acção da fé – toda de Deus, evidentemente. Uma chama que te abrasa e revela e te devolve ao mundo na inteireza do coração e do espírito.

É absoluta, esta libertação. Mas que te obriga por evidência, a escolheres-te, e tudo assumires perante Deus. Tudo te é devolvido, e absolutamente livre, por tudo respondes – perante Deus. É terrível, e aqui começa a ética, fundada na verdade da presença, nunca antes, nunca antes da vida ela toda- o resto é merda contratual de poderes e instâncias regionais da vida sufocada e desconfiada. O resto é o mundo com todos os seus principados e potestades – de que Deus, precisamente, te liberta.

Pega nas tuas coisas e abre-te à intensa vida que te serena, à fé que te move e abrasa inteira alma – esse movimento que te renova por dentro. Peregrinação sempre, que fiques onde estás ou que mudes bagagens – é na alma que se peregrina. Sempre onde estás e fores – busca a Deus, no lugar amoroso de ti.

Poderás sempre rezar e falar-lhe, mesmo e sobretudo nas maiores securas e opacidades, quando tudo te parecer real menos ele. Sobretudo aí, nas trevas envolventes, na confusão de ti – verás a alegria na tristeza que te rasga. Pois o rio que te abrasou, não deixará de correr no silêncio e obscuridade, e viverá sempre em ti o seu rumorejar.

Que Deus te proteja, em todos os confrontos que com ele tiveres. Toda a vida ele te quis, toda a vida ele te deu – toda a vida lhe entregas. E nessa liberdade assim, tudo nas tuas mãos tomarás.

Ámen.

sexta-feira, abril 07, 2006

Com paixão – para a amiga

Uma amiga minha sei lá se ateia disse, num dia em que se sentia triste até à morte disse, numa melancólica confusão de inaceitação e desmotivos totais disse: Tenho a impressão de ter o coração fora do peito, à mercê de todas as feridas, minhas e do mundo… E acrescentou: Deve ser assim que os cristãos se sentem.

Pudesse eu tal coração.

(Deus, do céu que é a tua morada, dá-me um coração assim, um coração assim do céu que é a tua morada – mesmo ou precisamente se sei lá se creio.

Ámen.)